Uma Escola de Patinagem

– Da Categoria “Eu, o Treinador“, página: – Itália 1982/83 – H. C. Monza Pompe Vergani – 4

Uma Escola de Patinagem

Eu, no desfile dos Jogos da Juventude

«Foi durante uma dessas saídas que observei um grupo de garotos a patinarem no passeio da avenida, enveredando por uma rua lateral, a caminho da escola, (descobri posteriormente), que ficava a curta distância da praça central. Uns dias depois, telefonei a solicitar uma reunião com o Reitor a fim de expor uma ideia que me tinha ocorrido, o da criação de uma Disciplina de Patinagem, cujas aulas se realizariam no Ginásio da Escola.»

E assim sucedeu, como referido no artigo. Tendo sido autorizado, meti mãos à obra, solicitando ao Conselho Directivo que me fornecesse uma lista de todos os alunos interessados, tendo aberto fichas para cada inscrito, uma descrevendo o nome completo, idade, filiação, naturalidade, telefones de casa e dos locais de trabalho dos pais e situação escolar e outra, relativa à patinagem, onde anotava as velocidades registadas pelos patinadores, em percursos de 1 a 3 voltas na “elipse”, no “oito” e no “oito com três círculos”, bem como “sprints” em todo o comprimento da pista.

Cones

Olhais

O primeiro passo dado foi inspecionar o ginásio, medi-lo com rigor e obter 4 dúzias de cones plásticos de sinalização, outras tantas de parafusos com olhais e dezenas de metros de corda de 1cm a ½ polegada de diâmetro, após o que uma planta à escala foi desenhada para calcular a disposição dos acessórios de treino.

Planta do Ginásio da Escola

1 – Galerias no 1º piso; 2 e 3 – acessos aos balneários e interior da Escola; 4 – Arrecadação; 5 – tabelas de basquetebol; 6 – corrimão metálico tubular; 7 – porta de acesso do pátio exterior; 8 – parede composta por painéis de vidro.

… 

Criar uma escola de patinagem, seja num rinque ou ginásio coberto ou numa área pavimentada ao ar livre, só requere uma placa de betão com a sua superfície tratada de modo a facilitar o rolar dos patins. As dimensões minimamente satisfatórias seriam as de um campo de basquetebol, mas ou menos 28×15 m, cujo custo de construção nos pátios de uma escola não passaria de uma percentagem ínfima no orçamento global.

Cada situação deve ser analisada cuidadosamente. Neste caso do ginásio da escola de Biassono, com uma superfície em vinyl, ladeada na frontaria por painéis de vidro de 6 a 8 metros de altura, alinhados lado a lado, os topos de parede elevada e, do lado oposto, entrada para os balneários sobre os quais corriam uns balcões, tipo camarotes sem cadeiras. A todo o comprimento da parede vidrada, a um metro desta, estava cravado no solo, um corrimão que impedia qualquer aluno de ir contra o vidro.

Disposição dos 3 círculos

No piso dispus 3 círculos, cada um formado por dezasseis cones com os parafusos no topo, trespassados pelas cordas, previamente cortadas à medida, dizendo aos garotos que a partir dessa demonstração, ficariam eles responsáveis, antes de cada sessão, por dispor os acessórios e, eventualmente, recolher e guardar tudo na arrecadação. Os círculos eram centrados de modo a reproduzirem os trajectos resultantes das linhas de um sistema.

Disposição da Elipse

A primeira sessão foi uma de patinagem livre em redor da elipse, depois de um colóquio em que expliquei como as sessões iriam decorrer. De caminho fui registando as capacidades de cada um, procurando decorar os respectivos nomes. Eram uns vinte, com idades que variavam entre os 5 aos 12 anos, apetrechados com patins de fraca qualidade, comprados em qualquer loja da vila. Os patins eram os que possuíam e era com eles que iniciariam a sua aprendizagem, já que fora nas mesmas circunstâncias que eu próprio tinha aprendido. Em poucos dias, o número de participantes aumentou devido à regularidade das sessões que ocorriam às 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras, das 16.00h às 18.00h, situação altamente conveniente para os pais que deixavam de se preocupar em manter os filhos ocupados depois dos estudos, libertando-os para outros afazeres. Além disso, evitava-se que fossem patinar para as ruas.

A metodologia aplicada era simples: ordem, disciplina e actividade contínua, durante as duas horas com pausas, de modo a alcançar cargas líquidas adequadas que permitissem um progresso real, cuidando em não levar nenhum garoto à exaustação. Isto requeria a observação permanente do facial dos alunos durante os exercícios o que, por outro lado, servia para estimulá-los uma vez que sentiam que estavam a ser observados. A vontade de demonstrar as suas habilidades ao “maestro”, era assim que me tratavam, é da natureza irrequieta dos jovens. Todos eles já se equilibravam sobre os patins, fruto das experiências na rua.

Este grupo rapidamente se habituou a alinhar por alturas e a reagir às instruções dadas e ao apito. De um dia para o outro, destacava uns tantos para se responsabilizarem pela distribuição dos acessórios na pista, sendo o primeiro circuito formado pela elipse. Neste caso, os de mais idade e estatura, giravam por fora, os mais frágeis por dentro. No espaço do meio, sobre um tapete de lona de 4,00m por 2,00m, exercitavam-se os que tinha dificuldade em se equilibrar. Ali divertia-se Nicolini, o mais jovem deles todos. Os exercícios repetiam-se em todas as sessões e seguiam a seguinte rotina.

1 – Patinagem livre para a frente, pela direita, durante umas voltas e depois, pela esquerda com o corpo inclinado para a frente, braços livres e os joelhos ligeiramente flectidos.

2 – O mesmo exercício, com obstáculos de altura reduzida que os patinadores ultrapassavam primeiro com um patim e depois saltando com os dois patins juntos, conforme a altura era incrementada, com o decorrer das sessões.

3 – Posteriormente, fazia concursos entre patinadores para ver quem atingia a maior distância, induzindo-os a sprintarem e rolarem sobre um só patim, mantendo o outro elevado, alternando a pé de apoio no solo, até se imobilizarem. Seguidamente, com duas tábuas com 1,00 m x 25cms de largura, apoiada sobre blocos de maneira de 10cms de altura, em lados opostos da elipse, os patinadores rolavam sobre ela com um só patim, trocando o pé de entrada na tábua oposta.

4 – Foram também construídas 3 caixas de madeira, com a forma que se vê no desenho, que unidas formavam uma rampa que todos procurariam subir e descer, resguardados lateralmente por colchões próprios para aparar quedas. Retirando um bloco inclinado, uma variante do exercício era subir e cair de uma altura, testada nos treinos, de uns 40cms, o que contribui para os ajustamentos de equilíbrio sobre patins.

Rampa – construção

5 – Na fase em que todos actuavam com certa desenvoltura, iniciaram as diversas formas de travagem, ora com os Patins em “V”, isto é, com as pontas a forçarem uma convergência, ora com um patim a arrastar o piso, transversal à direcção da patinagem, bem como lateralmente, com os dois em simultâneo.

6 – A partir desta altura, em que com um salto se viravam, insisti pacientemente que mantivessem a patinagem de costas. Foi então que introduzi os circuitos em redor dos círculos, quando a bio-mecânica da patinagem para a frente e de costas é mais facilmente executada e compreendida. Com estes exercícios, os garotos deverão ser induzidos a virarem o peito para o centro do círculo o que facilita o cruzamento de uma perna, mais à frente da outra, no prosseguimento das passadas.

7 – Sessões adiante, comecei a cronometrar as velocidades de cada um na elipse, uma, duas, três voltas cujos resultados registava numa folha A4, em segundos de cronómetro, que colocava numa parede do ginásio, defronte da qual se agrupavam ansiosos por ver os nomes e os resultados que tinham alcançado. Quando os patinadores atingiram um valor regular, preenchi uns diplomas adquiridos na escola, com os seus melhores tempos, em segundos, que enviei para os endereços onde moravam. Sei que ficavam de peito cheio com os diplomas e discutiam uns com os outros, os resultados que tinham alcançado.

Esta foi uma forma simples de dar uma tónica competitiva à aprendizagem que servisse de estímulo ao progresso de cada um. Claro que, com o decorrer das sessões, os garotos sentiam que os patins que possuíam eram inadequados e lamentavam-se quando, nas curvas, a velocidade os levava a quedas mais frequentes. – “Maestro!… scivola…!” (Mestre, escorrega…!)

O resultado destas lamentações foi que alguns pais vieram conversar comigo. Os filhos não se cansavam de reclamar que os patins não prestavam e perguntavam-me se eu podia aconselhar algumas marcas. Respondi-lhes que não era vendedor de equipamentos mas que tinha na minha equipa de hóquei, um jogador que era agente oficial e que poderia falar-lhe. Imediatamente, aproveitando-me deste entusiasmo, sugeri aos pais que passassem a palavra a outros, via Conselho Directivo da escola, pois tinha a certeza que o tal jogador poderia apresentar uma gama de patins que exibiria no ginásio, onde, tipo feira, os mesmos poderiam ser adquiridos de acordo com o bolso de cada um. Assim foi, o Maurizio Righi, apresentou colecções de equipamentos e de patins e, em determinado dia, os pais compareceram e fizeram as compras que desejaram.

As sessões que se seguiram decorreram com enorme entusiasmo, muitos apresentaram-se com patins já de “50% alta” competição, rodas largas, com rolamentos e travões apensos, alguns com joelheiras e cotoveleiras. A patinagem era outra, para gáudio dos garotos, agora com uma maior estabilidade sobre os patins o que me permitiu dar um passo à frente nos exercícios que planeara.

Três meses tinham decorrido e o progresso fora notavelmente visível para satisfação de todos. Na minha mente, visualizava já um festival, uma Gincana e Corridas, à semelhança de uma em que tinha participado no SNECI, meu clube de origem, 40 anos antes, quando era garoto. Estávamos em 1983…

O Festival na escola foi preparado com certa antecedência, com a colaboração do Director Desportivo do Hockey Clube Monza, Luigi Fedeli, sempre ao par das minhas iniciativas. Ele providenciou para que os obstáculos da Gincana fossem adquiridos. Com o apoio de Walter Albertarelli  e alguns dirigentes e atletas, nas funções de juízes assistentes, o Festival iniciou-se com corridas à volta da elipse, em que emparelhava patinadores com a mesma velocidade, independentemente das idades e estatura. Partiam do meio campo, um de cada lado e eram cronometrados após uma volta. Todos participaram e dava-me um certo gozo ver um patinador pequeno competir com um matulão e o primeiro vencer a prova. Os espectadores, alguns docentes da escola e dirigentes do Monza, pais e familiares, lá do alto das galerias e outros, por detrás do corrimão da pista, divertiam-se com as façanhas dos garotos.

A Gincana, em si, foi uma surpresa pela variedade de obstáculos a ultrapassar, com pontos e tempos registados para apuramento do vencedor. O circuito a realizar era o seguinte, cronometrado a partir de um sino pendurado na cancela que o concorrente agitava, dando início à sua prova.

Circuito da Gincana

01 – Na Cancela: tocar o sino (início da cronometragem da prova), destrancar a porta, passar para o outro lado, voltar a trancar e prosseguir.

02 – Mesa com uma colher de cozinha e bolas de pinque-pongue. Patinar, levando uma delas na colher até ao próximo teste.

03 – Mesa com prato de sopa contendo água e uns caramelos. Retirar afundando ligeiramente a face e recolhendo o doce, sem limpar a água do rosto.

04 – Mesa com prato de sopa contendo farinha e uns caramelos. Retirar um, avançando de seguida para o próximo obstáculo.

05 – Caminho sinuoso entre garrafas de plástico ou cones, a ser percorrido com um só patim no solo.

06 – Saltitar entre 4 barrotes de 50cm x 3cm x 3cm, atravessados.

07 – Subida e descida da rampa.

08 – Salto em altura, 25 a 30cm, com ambos os patins.

09 – Curva apertada.

10 – Percurso a patinar de costas.

11 – Rabo de porco: um quadro com um porco desenhado, onde os concorrentes, de olhos vendados, tentam espetar o rabo.

12 – Percurso com um só patim, sobre uma tábua de 1,50m x 0,25m, assente sobre barrotes de 10cm de altura.

13 – Gatinhar por túnel formado por 4 a 5 pneus acoplados.

14 – Com um seticada numa bola de hóquei, a partir de uma marca distante 2,00 metros de uma baliza miniatura, tentar marcar golo.

15 – Sentar e meter as pernas e os patins nuns sacos e fazer o percurso saltitando. Descartar os sacos e “sprintar” para a cancela e finalizar a prova, agitando o sino.

Jogos da Juventude, desfile dos alunos da Escola de Patinagem

Enfim, foi uma tarde de alegria. Acho que foi no final da mesma que aproveitei para sugerir ao Presidente Claudio Vergani, que oferecesse aos garotos fatos de treino com as cores vermelhas do clube. Viu com bons olhos a sugestão e mais tarde, durante os Jogos da Juventude, levados a cabo em Biassono, já todos os pequenos patinadores desfilavam com as cores e sacos do Hockey Club Monza – Pompe Vergani, causando um efeito para eles de orgulho.

E assim se construiu um Escola de Patinagem. Mas como sempre, o meu “karma” impediu a continuação da mesma, numa altura em que a fase seguinte seria a introdução progressiva da prática do hóquei em patins, uma modalidade que os garotos desconheciam.

Os garotos da Escola de Patinagem, descansando.

 

 

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