As minhas…
No passado, todas as civilizações praticaram uma ou outra forma de desporto e, para esse propósito, contendas tiveram lugar em locais próprios. Quer consciente ou inconscientemente, a motivação poderá ter sido a necessidade que o Homem tinha de se manter num estado permanente de preparação física e destreza a fim de poder enfrentar as buscas de caça e as eventualidades de guerras. Assim, possivelmente, o desporto organizado terá sido uma consequência desses estímulos, especialmente do último. Não é de admirar que o Desporto contenha actividades similares às da guerra: arcaria, lançamentos de pesos, de dardos e martelos, saltos à vara e em altura, crosses com barreiras, corrida de meio fundo e fundo.
Afinal, a Maratona resulta de um acontecimento bélico e o próprio léxico desportivo extravasa-se em palavras e frases que poderiam ser extraídas dum manual militar: ataque organizado, contra-ataque demolidor, tiro de canhão, defesa em profundidade, atacar pelas alas, etc.
Aliás, nada tenho contra esta fraseologia, pois acredito que o desporto poderia beneficiar muito a sua táctica colectiva se baseasse as suas acções nos conceitos da arte militar, quer em termos de organização, disciplina, preparação e planeamento das operações, quer em termos de criatividade e inovação permanente das formas de “luta”. Voltarei a referir-me a esta questão, com frequência, pois nas soluções desportivas de carácter técnico e táctico, fui muito influenciado pela leitura de obras sobre essa arte.
Todavia, no último século e meio, não há dúvidas que o homem planeou as actividades desportivas com o objectivo de permitir que a sua constituição física e mental se desenvolvesse harmoniosamente, desde os primeiros passos até à sua maturidade, visando o desporto para massas e legislando nesse sentido. Buscava-se o ideal de mens sana in corpore sano.
Mas o Homem, assim como formula também reformula e, tal como o amadorismo de Pierre Cubertin que foi definitivamente enterrado, o Desporto acabou por cair no profissionalismo e ser transformado numa grande indústria, os clubes em empresas ou sociedades anónimas, os atletas em trabalhadores ou meros activos disponíveis para transacções de tostões e milhões, em época de feiras, com todas as consequências, confusões e distorções daí resultantes. Estava criado um novo paradigma.
Contudo, apesar dos progressos da humanidade, com regras e leis que vieram condicionar o comportamento individual e colectivo do homem, deixando marcas profundas no seu carácter e personalidade, o instinto primário de sobrevivência não foi nem nunca poderá ser destruído. Esse facto indiscutível faz saltar outras facetas menos concretas que os simples actos de alimentação e reprodução. A necessidade de ser o melhor, o primus inter pares, de ser o vencedor, o mais falado e discutido, de procurar exibir-se acima dos outros, sempre cheio de razão mesmo quando a perdeu, caracteriza as acções e reacções do homem no seio dos grupos em que se integra, sejam eles sociais, políticos, militares, religiosos ou desportivos. Reconciliar o egocentrismo, ou por outras palavras, o aparente egoísmo do homem, tem sido, ao fim e ao cabo, o grande problema que ele enfrenta em sociedade e, consequentemente, o maior problema dos desportistas em competição.
Reconheço que esta é uma questão do foro psicológico, uma área que lamentavelmente constitui uma das lacunas insuperáveis do Desporto. O psicólogo/desportivo, bastas vezes esquecido, é uma peça fundamental do “puzzle”, um “joker” que não pode nem deve ser enquadrado hierarquicamente num sector do organigrama dum Clube ou dum Grupo Técnico. O seu posicionamento deveria ser permanente e transversal a todos os sectores, com liberdade de estudo e acção pelos cantos da casa, mesmo os mais recônditos. Se bem que um tanto subestimado, ele traria, com o seu saber, uma peça fundamental, uma espécie de película transparente que colocada sobre uma imagem construída e a emoldurar, permitiria vê-la com toda a clareza. As vantagens seriam incalculáveis para todos os agentes envolvidos, até em termos económicos, mas reconheço a utopia… pois outros interesses não o permitiriam.
Ao falar de Hóquei em Patins, falo de desporto em geral e, o que se aplica ao desporto em geral, tem cabimento numa modalidade em particular. O Desporto foi sempre único porque gera-se dentro de comunidades similares que interagem e se influenciam. É nelas que, independentemente das modalidades escolhidas, se criam as instituições e se arrebanham os diferentes agentes desportivos, reflectindo as suas tradições, o seu progresso social, cultural e económico, bem como os seus vícios e as suas virtudes. Aliás, a propósito de modalidades desportivas, repare-se que o que as distingue são os respectivos Livros de Regras! São estes livrinhos que estabelecem as diferenças, que obrigam este praticante a jogar a bola com os pés e a cabeça, aquele a jogá-la com as mãos e aquel’outro a manuseá-la com um estique, nalguns casos com ou sem patins calçados.
Reflectindo sobre a modalidade de Hóquei em Patins que à partida não apresenta nada de estranho, um aspecto fundamental salta imediatamente à vista: o hoquista não é um atleta igual a outros, é um ser especial porque possui membros inferiores diferentes dos demais, a terminarem em forma de patins, um braço assimétrico mais longo que o outro, acabado no formato dum setique, além dum centro de gravidade mais elevado. Este homem que não anda mas patina e cujo “habitat” é uma pista com dimensões precisas e à qual ele tenta adaptar-se, deve ser cuidadosamente estudado dentro dos parâmetros que o definem como “animal/patinador“. Só assim poderemos basear a sua preparação em termos científicos e, neste caso específico do jogador de hóquei, a sua resistência a esforços de certo tipo e duração, a sua necessária “endurance”, a sua velocidade e resistência a essa mesma velocidade, a sua potência muscular, a sua flexibilidade e coordenação, serão sempre resultado da adaptação do seu organismo às realidades concretas do “rinque/habitat” e das solicitações e influências que o mesmo exerce.
Como consequência, toda a preparação do hoquista deverá ter em conta os aspectos mencionados, pois os exercícios produto de outros tipos de treino, como por exemplo, sem patins, só poderão ser assumidos como parcialmente transferíveis e, obviamente, menos adequados. Um estudo fisiológico e bio-mecânico do hoquista/patinador, uma análise científica da sua locomoção num espaço confinado, os seus limites de velocidade, o movimento e balanceio do corpo no acto da patinagem e da seticada, a sua simultânea reacção à inércia e ao atrito do piso, na execução de curvas, são alguns dos fenómenos complexos que se apresentam e que constituem um desafio para a imaginação dos Treinadores, dos Preparadores/físicos e de outros, incluindo arquitectos, construtores de pisos e de pavilhões e, inclusivamente, as indústrias de equipamentos e materiais desportivos.
O Hóquei em Patins, bem como o Futebol tradicional, tiveram um momento inicial, o dos carolas e amadores. Sofreram uma evolução natural ao longo dos tempos e hoje, apesar da realização de provas nacionais, europeias e mundiais, se os analisarmos friamente, damos conta que atingiram vários estágios mas que não chegaram ao patamar mais elevado das suas possibilidades. Quando falo desse patamar, refiro-me à actuação organizada e balizada por um sistema de táctica colectiva universal. O que vemos são partes que procuram organizar-se, mas as partes têm de dar origem a um todo que está longe de ter sido alcançado. Numa certa medida, situamo-nos num ponto perto do caos, a progredirmos de um modo acidental, vagaroso e exasperante.
Á nossa volta, outras modalidades colectivas evoluíram mais, o Basquetebol, o Futebol Americano, o Rugby, o Voleibol, o Andebol. Excluo expressamente o Hóquei em Patins e o Futebol tradicional, modalidades que observo quase todos os dias dada a sua intensa mediatização as quais, de táctica colectiva, só possuem os adjectivos que os seus agentes utilizam, amplamente inflacionados pelos média, o que não admira.
Em face de produtos que lhes são vitais, têm de acreditar que os mesmos são bons. E se não forem, far-se-ão à força, com persistentes análises mirabolantes em que se atira continuamente para a frente com as tácticas do 4x3x3, do 4x4x2 mais um qualquer losango, isto se uma voz desanimada pelo desenrolar de uma má prestação desportiva, não se fizer ouvir: – “entrou-se agora numa fase incaracterística do jogo, com as equipas tacticamente encaixadas uma na outra”. Qualquer especialista militar diria que dois exércitos encaixados provocariam uma catástrofe, uma situação caótica, de autêntico salve-se quem puder!
Não quero com isto dizer que as disposições acima descritas não tenham um efeito táctico! Tem com certeza e, normalmente, esse efeito depende exclusivamente das capacidades individuais dos jogadores assim posicionados, se são habilidosos ou velozes e que o adversário procurará minimizar adoptando um dispositivo adequado. Mas a partir dessa estruturação inicial o que se passa no terreno não cabe na minha concepção de táctica colectiva. A meu ver, os acontecimentos são imprevisíveis, apesar do esforço titânico dos seus protagonistas. Talvez sejam estes os factores que mais atraiam as pessoas, talvez seja essa a “magia” do desporto!
Sei que estou a ser provocador, mas há um facto inegável, estas duas modalidades não satisfazem a máxima ou critério que deve governar a prática desportiva de almejar a maior eficácia com o menor dispêndio de energia. Antes pelo contrário, esgotam-se no campo, como moléculas a colidirem uma contra as outras, para atingirem objectivos francamente medíocres. Por vezes, acidentalmente, conseguem algo melhor, por meio da acção individual espectacular dum qualquer “galáctico” ou, de um modo imprevisto, com um chuto ou uma seticada mal dada que ricocheteando num adversário, acaba por entrar para gáudio das claques.’
No Hóquei em Patins foi e é, a táctica do quadrado a mais badalada, que eu corrigiria, com certo humor, para táctica do quadrilátero pois um quadrado pressupõe lados iguais, figura só fugazmente vista nas pistas. Também teve o seu losango, que apareceu e desapareceu no meu tempo, por ser facilmente desmontável, reaparecendo na década de 80. E, já agora, a táctica do Y que imperou nos primórdios da modalidade e que resultou do facto do praticante que patinava pouco ir para defesa, o que patinava assim-assim, ir para médio, cabendo aos dois mais rápidos irem para o ataque.
Claro, é fácil de prever que logo que houvessem dois a patinar “assim-assim”, lá atrás, o tal “quadrado” acabaria logicamente por aparecer, pois não cabe na cabeça de ninguém, posições na pista a monte, em fila indiana ou em linha.
No que me diz respeito, quando passei a jogador/treinador e comecei a pensar nestes problemas, imaginei que os elementos das equipas que defrontava estavam postados num círculo. E estão, daí a minha teorização e introdução de movimentos circulares a que foi dado o nome de Carrossel, o tal sistema universal que pretendo desenvolver neste Site.