Anatomia da Linha de Anti-jogo

Ao referir-me a esta questão da Linha de anti-jogo, pretendo realçar o “modus faciendi” dos protagonistas que propõem e justificam alterações às Regras de Jogo. A primeira vez que participei numa reunião magna para tratar destes assuntos, foi num Seminário Internacional apadrinhado pelo Presidente do Comité Olímpico, sr.Juan António Saramanch, que teve lugar em Roma, nos dias 22 a 23 de Julho de 1983, apelidado depois de Simpósio, onde tive a rara oportunidade de acompanhar os debates desde o início e até ao inesperado baixar das cortinas.

Como considero essa experiência instrutiva até porque redundou numa intensa controvérsia pública que durou vários meses, farei dela um relato o mais detalhado possível, a fim de podermos compreender como estas coisas funcionam e também para dar seguimento a um desabafo muito interessante, feito recentemente por Hugo Gaidão, treinador da nossa praça, que pode ser consultado no Site www.mundook.net, onde questiona as novas alterações às regras. Um autêntico “déja vue”…

Iniciarei com algumas transcrições (e meus comentários em itálico quando oportuno) publicadas em Jornais e Revista da especialidade, tendo colaborado nesta, com uma e outra pista para esclarecer as dúvidas que então surgiram.

Capa de “Golpe Duplo”, Novembro de 1983

LINHA DE ANTI-JOGO

«Cozinhado» em Roma

Pag. 5 e 6 – Extractos

GRUPO EXCURSIONISTA

(NÃO) RESOLVE E PORTUGAL

«SOBE EM ANDAMENTO»

«Já muito se falou do simpósio de Roma, do que lá se passou – ou, pelo menos, do que se pensa que lá se passou – e que culminou, como é sabido, com a implantação, em Portugal, de uma nova linha de anti-jogo, coincidente com a de meio rinque.»

«A nova linha de anti-jogo emergiu do simpósio. Mas antes de nos debruçarmos sobre esse aspecto, há que fazer como que o “levantamento” de todo o processo. Cronologicamente e com objectividade, sem deixar de dar a oportunidade de defesa á Federação Portuguesa de Patinagem, o que se faz neste número de “Golpe Duplo”»…

«Sob os auspícios do Comité Olímpico Internacional cujo Presidente, Juan Samaranch, foi jogador de certa nomeada em Espanha, chegando mesmo a seleccionador nacional, resolveu a FIRS levar a cabo um simpósio de hóquei em patins, onde estariam representadas as maiores potências da modalidade, com técnicos, jogadores, árbitros e dirigentes. Tudo bem, em teoria seria uma coisa maravilhosa, que se saiba acontecimento único na história da modalidade. Haveria, portanto, que escolher as pessoas mais indicadas, prepará-las para o simpósio e, assim, colher dele os melhores frutos. A FIRS delegou no Comité Internacional (CIRH), naturalmente, o qual, por sua vez, encarregou as respectivas federações de designar os participantes.»

«No caso português, uma variante: o presidente do CIRH é o presidente da Federação, José Castel-Branco. Que, segundo nos declarou em entrevista para “a Bola”, «se perguntou» quem eram os portugueses mais indicados para ir a Roma. Excluindo, à partida, o caso especial de Francisco Velasco, que trabalhava em Itália e é um estudioso da modalidade, vamos lá ver em que recaiu a escolha de Castel-Branco: da parte dos jogadores»…

«Viajou até Roma Casimiro. Também ele retirado da actividade como praticante, mas já na altura indigitado seleccionador de juniores e juvenis. Casimiro aceitou, não se preocupou em dar conhecimento aos jogadores da sua participação no simpósio onde, ao que parece, apresentou tese sua.» (Na verdade, Casimiro subiu ao pódio, fez um longo resumo do seu curriculum como jogador, acabando por dizer que era apologista da linha de anti-jogo no meio do campo).

«Representando os árbitros, Carlos Bica. Que há largos anos não arbitra e que, ainda segundo Castel-Branco, goza de reconhecido prestígio internacional e é candidato ao lugar de Fernando Pereira na Confederação Europeia. Carlos Bica apresentou uma proposta individual.» (Que me recorde, as suas propostas, algumas delas bizarras, saíram da leitura de papelinhos que ia tirando do bolso, os quais, por vezes, escapando-se para o chão, obrigava-o a afastar-se do microfone para apanhá-los, o que cortava a sequência do seu discurso, sorrindo e fazendo sorrir a audiência).

«Também lá esteve Fernando Pereira, acompanhado de José Castel-Branco – que teve de regressar a Lisboa por motivos profissionais e não assistiu às sessões – e Hub Teixeira, secretário do CIRH. E, ainda lá esteve Helder Casimiro, oriundo das corridas de patins e que já vai em vice-presidente da Federação. Ilustre desconhecido no hóquei em patins e que, ainda segundo o presidente Federativo, foi a Roma porque fala bem inglês e francês… Estranha preocupação pontual, quando já assistimos, nos quatro cantos do mundo, a espectáculos confrangedores de “insuficiências linguísticas”.»

«Como antes do simpósio, também a seguir a ele nada se soube. Com a agravante de, pelo menos no que se refere a um elemento federativo, haver quem soubesse da presença de Helder Casimiro em Roma… só depois do regresso.»

«Resumindo, foi pelo menos “estranha” a representação portuguesa. Mas como o simpósio se celebrou logo a seguir a uma reunião da Federação Internacional, sabe-se que estavam presentes, todos os “excursionistas” do costume, pelo que não hesitamos em concluir que se tratou de um encontro de velhos amigos, igual a tantos outros que temos presenciado.»

«Dissecada que está a presença portuguesa, resta acrescentar que, no caso espanhol e no caso italiano, pelo menos, apareceram propostas bem elaboradas e fruto de discussões conjuntas nos respectivos países que, através de inúmeras reuniões preparatórias, deram origem a esses documentos. No caso português, fomos “à portuguesa”. (Devo esclarecer que, como treinador indicado formalmente pela Federação Portuguesa, em 2 de Novembro de 1982, para representar os nossos treinadores, fui “à portuguesa”, mas levei uma proposta escrita e justificada, apresentando em plenário 10 sugestões, das quais 8 foram aprovadas, em contraste com as 7 sugestões da Espanha, das quais 2,5 foram aprovadas; com as 9 sugestões da Itália, com 3 aprovadas; com as 4 sugestões de Carlos Bica com 1 aprovada e, finalmente com 1 sugestão do presidente da nossa Federação, José Castel-Branco que não foi aprovada. Tenho a esperança de ver, um dia, as outras 2 sugestões da minha proposta aprovadas, o que seria um tiro em cheio. Para uma melhor clarificação, participei, a convite da Federação Italiana, nos debates acerca destes problemas, em Seminário realizado em Firenze. Mais ainda, do tal Simpósio de Roma, saí com a consciência de que a minha intervenção no plenário, suportada por forte argumentação e documentação estatística, foi causadora da não aprovação de muitas das sugestões apresentadas pelos outros participantes).

«Em Lisboa, depois do regresso, foi decidido optar pela nova linha de anti-jogo “recomendada” pelo CIRH, através de um ofício para os clubes, onde se comunicava a decisão. Ponto final no assunto, facto consumado.»

«As reacções não se fizeram esperar. Técnicos, jogadores e jornalistas, pelo menos, opuseram-se frontalmente aos acontecimentos relatados e, de uma maneira geral, à nova linha de anti-jogo. Os técnicos reuniram-se, entregaram um documento à Federação e, no dia da primeira jornada do “Nacional”, José Castel-Branco, atacado na TV por António Livramento, Valdimiro Brandão e Orlando Dias Agudo, fazia a declaração surpreendente que estava disposto a dialogar!»

Pag. 7

António Livramento, incisivo:

ESTAREMOS EM NOVARA EM DESVANTAGEM

«Os treinadores que defendem a linha de meio-rinque são treinadores frustrados, que nunca fizeram nada pelas suas equipas»

(Sobre Novara direi simplesmente que nos classificámos em 3º lugar, perdendo com a Argentina, Espanha e Itália)

Pag. 9 a 11

António Hub Teixeira

«Se a representação portuguesa não foi a ideal,

a culpa foi dos jogadores e dos clubes».

NÃO FOMOS A ROMA PASSEAR

«António Hub Teixeira, dirigente da Federação Portuguesa de Patinagem e secretário do Comité Internacional de Rink-Hockey, (CIRH), era a pessoa a ouvir sobre o simpósio de Roma, por várias razões. Porque esteve presente a todas as sessões, porque é dirigente da Federação e porque é um homem com grandes serviços prestados ao hóquei em patins, além de, a nosso ver, ser a pessoa mais indicada para defender os pontos de vista federativos, num processo em que parece ser quase unânime a condenação do órgão máximo da modalidade»…

«Começámos por lhe perguntar como se sentiu em Roma, na companhia de um ex-jogador e de um ex-árbitro, para começar, e se lhe pareceu ser aquela, na altura, a representação ideal do hóquei português, relativamente aos restantes países presentes.»

«- Bom, não será novidade para ninguém se eu disser que deviam lá estar outras pessoas, que não aquelas, embora continue a dizer que os portugueses presentes deram uma boa achega aos trabalhos. Como jogador foi o Casimiro que já não estava em actividade, porque foram goradas as outras tentativas feitas pelo Comité Internacional»

«- Aceitando essa explicação, a que se deve o facto de Casimiro não ter tido a preocupação de falar com outros jogadores antes de ir para Roma?»

«Não teve tempo para o fazer, já que foi convidado em cima da hora.»

«- Teria tido algo a ver com o convite o facto de Casimiro estar nos planos da Federação para seleccionador de juniores e juvenis, aliás, como veio a suceder?»

«- Não. Posso adiantar que fui eu que me lembrei do Casimiro, exactamente para evitar mais recusas de jogadores em actividade. O convite não ter nada a ver com as futuras funções na Federação.»

«- Em relação a Carlos Bica e justificando o facto de já não estar em actividade como árbitro, Castel-Branco também afirmou que era o elemento da arbitragem com mais prestígio internacional e, na altura, possível candidato ao lugar de Fernando Pereira. Terá funcionado o convite como “moeda de troca”?»

«- Antes de mais nada, devo dizer que tudo indica que Carlos Bica não se candidate ao lugar de presidente do Comité Europeu de Arbitragem, dado que as federações europeias, incluindo a portuguesa, pretendem que Fernando Pereira continue no seu lugar. Carlos Bica foi ao simpósio porque já tinha elaborado um estudo sobre regras de hóquei em patins, que nunca tinha sido apresentado nem discutido. Em Roma, apresentou oito propostas, das quais três foram aprovadas.» (Tenho arquivadas as propostas originais apresentadas no Seminário, menos as de Carlos Bica que não consegui obter, talvez por não existir em formato aceitável)

«- O que talvez queira dizer que Carlos Bica era mais capaz do que qualquer dos árbitros em actividade?»

«- Não é isso. Naturalmente haverá árbitros capazes, mas não tínhamos conhecimento de qualquer trabalho já feito, além do, do Carlos Bica.»

«- E chegamos à presença de Helder Casimiro em Roma. Recém-chegado ao hóquei em patins, sem qualquer passado e com a agravante de haverem directores da própria Federação a só saberem da sua deslocação depois do simpósio. Como é que foi, Hub Teixeira?»

«- Antes de mais nada a minha opinião não é a sua. Helder Casimiro é novo no hóquei, mas isso não invalida que seja, ou venha a ser, um bom dirigente porque até agora, no seu lugar de vice-presidente do comité das corridas de patins, o trabalho tenha sido bastante válido, sendo um facto o incremento verificado na modalidade. Em relação à sua ida a Roma, por uma questão de ética, devessem ter sido informados os dirigentes da sua ida, mas a decisão também foi tomada em cima da hora. Sem que a federação tenha gasto com isso um só tostão e destinando-se a sua presença a colmatar a ausência do presidente, regressando a Lisboa por motivos da sua vida profissional. Helder Casimiro apresentou as propostas de José Castel-Branco de uma maneira digna, servindo-se dos seus conhecimentos de francês e inglês.»… (Dignos teriam sido todos os que lá estiveram e, seguramente, Helder Casimiro, pelo que vi,  comportou-se de tal forma, mas não apresentou “propostas”, leu simplesmente um manuscrito elaborado apressadamente, durante os trabalhos).

«- Depois do simpósio, a FPP aceitou a sugestão do CIRH – presididos ambos por José Castel-Branco – para implementação da nova linha de anti-jogo (que não é oficial), sem ouvir ninguém ligado à modalidade e criando com isso bastante agitação. Não lhe parece que, com diálogo, tudo se teria resolvido da melhor maneira?»

«- Eu defendo sempre a necessidade e vantagens do diálogo…» (Mas Hub Teixeira, que esteve presente, achou normal que a delegação portuguesa nunca tivesse reunido para estabelecer uma estratégia conjunta que servisse os seus interesses. Quando, ao jantar perguntei aos demais nomeados como iria ser, informaram-me, casualmente, que cada um fazia a sua proposta. Apesar de achar isso estranho, pensei,  na altura, que provavelmente era esse o procedimento, pois nunca tinha participado numa reunião de tal formalismo e magnitude. Em retrospectiva, as outras delegações falaram a uma só voz e Portugal a quatro, concordando eu, com um dos títulos da capa desta revista, que li na altura em que saiu publicada, e que, com notável presciência, se refere ao “cozinhado” de Roma).

«- Não se deve minimizar o simpósio, que contou com a colaboração de grandes figuras do hóquei mundial, como Lorent, Massari, Velasco, Daniel Martinazzo, Vilapuig e Barsi, entre muitos outros. Não se tratou de ir a Roma em excursão.»

«- O que mais reforça a tese de que a representação portuguesa era pouco “representativa”…»

«- A culpa foi dos jogadores e dos clubes, por não se ter conseguido as autorizações para as pessoas se deslocarem.» (Saliento que a tónica evidente das várias explicações nesta entrevista, apontam para a falta de tempo ou convites em cima da hora, o que me causa impressão, dado que eu fui convidado em 2 de Novembro de 1982 e o simpósio ocorreu no ano seguinte, em 22 de Julho… portanto, oito meses depois!)

Capa de “Golpe Duplo”, Nº 2 – Janeiro de 1984

EXCLUSIVO

O «Watergate» de Roma

Pag. 12 a 14 – Extractos

Elídio Pinto em entrevista

«Tudo se faz nas costas das pessoas do hóquei»

«Ainda em relação ao simpósio e pelo que li no “Golpe Duplo”, não houve as cautelas necessárias nem tempo para fazer o trabalho indispensável a alterações desta importância. Isto vem demonstrar que tudo se faz nas costas das pessoas mais interessadas na modalidade – técnicos e jogadores – através de elementos que já não estão em actividade e de outros que nada têem feito pelo hóquei em patins.»

«Dentro de alguns meses iremos disputar um Mundial (Novara) em que estaremos em nítida desvantagem, depois de uma época inteira a jogar com algo que, na realidade, não existe. Livramento, conforme já afirmou, terá uma grande dificuldade em pôr os jogadores a pensar de duas maneiras e ele, como grande atleta que foi, sabe que isso não é possível.»

«Hub Teixeira afirmou que talvez a regra seja aprovada em Paris, mas isso é atirar com poeira para os olhos das pessoas já que, mesmo que assim aconteça, as grandes potências não aceitariam jogar o Mundial assim. É apenas uma maneira de tentar justificar uma imposição do elenco federativo, que resolveu por maioria, e eu duvido que a federação seja constituída por pessoas que tenham praticado a modalidade e tomado a decisão tão levianamente. Receberam uma petição resultante de uma reunião de treinadores, onde se discordava da decisão e foi lamentável que não a tivessem levado em consideração, ouvindo quem tinha todo o direito de se pronunciar. Foi uma prepotência!»

Pag. 20 a 22 – Extractos

Francisco Velasco e o simpósio

FALHOU A FEDERAÇÃO

NA PARTICIPAÇÃO PORTUGUESA

«Em toda a problemática do Simpósio de Roma e apesar de sobre ela nos termos detido exaustivamente, muitas coisas continuam ainda envolvidas num manto de silêncio com os visados, curiosamente, a não rebaterem as acusações que sobre eles caem.»

«Talvez na esperança que tudo se esqueça. Ora – podemos garanti-lo – não vai ser assim em relação à nossa revista. Digamos que “temos na mão” todos os dados do problema e neste número divulgaremos alguns. Documentalmente e através de curtas declarações de Francisco Velasco, totalmente defraudado pelo que aconteceu em Roma e que se mostrou disponível para, finalmente, fazer luz sobre os tristes acontecimentos. Não sem que antes nos dissesse o que pensa fazer no nosso hóquei em patins.»

«- Tendo chegado a Portugal em Agosto, a minha primeira prioridade foi criar raízes familiares. Estou indirectamente ligado ao hóquei, vou ver jogos e sigo a modalidade. “Sou” do hóquei e estarei sempre envolvido, nem que seja à distância.»

«-Tiveste ocasião de ler as diversas versões do Simpósio de Roma. Qual é a tua, visto lá teres estado?»

«- Se aceitarmos que houve perda de espectacularidade no hóquei em patins, a realização do simpósio impunha-se, desde que fosse antecedida da preparação adequada. Sei, pessoalmente, que a Itália procurou preparar-se e levou a cabo um seminário, para o qual fui convidado. Por outro lado, também sei que a Espanha reuniu um grupo de pessoas para discutir o mesmo problema. Todavia e em relação a Portugal, hoje tenho a certeza de que a Federação falhou, por não se ter reunido com gente que pudesse dar o seu contributo.

No meu caso particular, fui convidado em Novembro do ano passado e, durante toda a época em que trabalhei em Itália, tentei colher as informações correctas de tudo o que se passava dentro dos rinques, por meio de estatísticas intensivas e organizadas, visando a obtenção de elementos que ajudassem a chegar a conclusões.

Ao simpósio de Roma cheguei com uma mala carregada desses elementos, querendo representar bem os técnicos portugueses, ao contrário de alguns outros, que chegaram lá com malas carregadas de artigos para vender! Houve quem chamasse excursionistas a essa gente, mas eu chamar-lhes-ei caixeiros viajantes… Apareceram no simpósio cerca de trinta propostas de alterações: 7 da Espanha, 8 da Itália, 10 minhas, 1 de Castel-Branco e – diz-se agora 8 de Bica, que eu gostava de saber quais foram. De todas estas, a Espanha teve duas e meia, aprovadas, a Itália três, eu oito e Carlois Bica uma. Mas, para não correr o risco de errar, baseio-me na informação prestada pelo senhor Hub Teixeira, que disse que de vinte e oito propostas, mais de metade foram aprovadas. (Se somarmos 2,5+3+8+1=14,5 propostas aprovadas, que confere as minhas contas, são de facto mais de metade das vinte oito, um excesso de 0,5.)

Uma das alterações que provocou mais debate foi a da linha de anti-jogo, em que quatro propostas foram para aprovação, tendo havido como uma espécie de coligação entre a Espanha e a Itália, sendo o resultado da votação o seguinte:

Espanha, 7 votos, Itália, 8 votos, Velasco, 4 votos, Castel-Branco, 0 votos. Todos os portugueses votaram na Espanha e na Itália o que me fez perguntar, na altura, porque não tinham votado num português (pois soube quem me apoiou: a Confederação Europeia de Roller Skating (CERS), os Estados Unidos (FIRS) e a Austrália, pois tiveram a delicadeza de informar-me antecipadamente que votariam na minha proposta). Agora sei que houve um entendimento de bastidores.

Clarificado melhor, os italianos pretendiam que a linha de anti-jogo se mantivesse como está (resultado do Seminário de Firenze em que participei), os espanhóis que avançasse quatro metros no meio-rinque adversário, eu que se fizesse a um terço do terreno de jogo, (que é ainda a minha proposta para um rinque do futuro que tenho idealizado) e José Castel-Branco, conforme documento que junto, que fosse implantada no meio-rinque o que significa que se não é pai da criança (como declarou numa entrevista dada ao jornal “A Bola”) é, pelo menos avô…»

(Nota do entrevistador, a seguir)

Em papel da Federação Italiana (!?), escrito à mão (!?), em péssimo inglês, rubricado – ao que parece – pelo senhor Helder Casimiro, José Castel-Branco, apresentou a sua “proposta” ao Simpósio de Roma. Onde se pode ler a, dado passo: «criando uma nova área entre a linha de anti-jogo e o centro do rinque, onde a equipa tem dez segundos para manter a bola e depois de a abandonar não pode regressar…». É uma tradução literal do mau inglês, mas uma coisa é evidente: José Castel-Branco propôs a “nova” linha de anti-jogo. Sem argumentação possível.

“Golpe Duplo”, Nº 3 – Março de 1984

Pag. 21 a 23 – Artigo

– «Barreiras olímpicas» não se compadecem

Com «palpites» arquitectados de ânimo leve

ESPECTACULARIDADE!

ANTI-JOGO! GOLOS!

Por Francisco Velasco

A espectacularidade no desporto é um produto da acção individual dos atletas ou da acção global do grupo por eles formado. A primeira é definida pela capacidade atlética e técnica dum jogador e a segunda pela capacidade táctica do grupo.

Quanto maiores forem os níveis dessas duas capacidades, maior espectacularidade resulta das acções verificadas dentro do campo e a consequência imediata é uma afluência mais elevada de público aos recintos de jogos.

Como corolário, podemos afirmar que, quando não há espectadores, é porque aquelas condições não estão a ser satisfeitas e esta é uma situação que preocupa justificadamente todos os que praticam, dirigem ou suportam a modalidade que escolheram.

No caso do hóquei em patins, dizem, e em parte é verdade, que esta espectacularidade lhe está a faltar. O problema que se põe, antes de mais nada, é tentar compreender esse estado de coisas, de um modo tranquilo e científico e não com “palpites” emocionais que de mérito só poderão ter as boas intenções dos que as dão.

Mas de “boas intenções” está o mundo cheio! Fazendo uma analogia com o que se passa à nossa volta, vemos que todas as pessoas desejam a paz, reunindo os países a sua diplomacia a fim de evitar uma escalada aos armamentos e porventura reduzi-los. Mas mesmo que acabassem por diminuir os números de armas e traçassem uma linha limite, nenhum dos líderes políticos poderia clamar agora que se conseguiria a paz. Sabendo nós que as guerras até se fazem com pedras e paus, resulta que a liderança só poderá afirmar que se conseguiu reduzir a capacidade destruidora dos vários países.

No Hóquei em Patins, no já célebre simpósio efectuado em Roma, juntaram-se as Federações mais representativas com o desejo declarado de propor variações às Regras de Jogo de modo a trazer maior espectacularidade à nossa disciplina. Começando por confundir espectacularidade com anti-jogo e com golos, foram apresentadas propostas para aumento das dimensões das balizas actuais, ou para obrigar as equipas a atirar ao golo dentro dum período limitado de tempo, propostas essas que não resistiram aos argumentos proferidos (por mim, em plenário e devidamente suportados por estatísticas recentes) contra. E a tão disputada linha de anti-jogo a meio campo só passou devidos aos arranjos de corredores… sem a mínima preocupação pelas consequências.

De qualquer modo, hoje aí temos a linha em vigor, provocando alterações radicais à essência do Hóquei em Patins, à filosofia de jogo como outros lhe chamam, esse Hóquei em Patins, que sem essa linha, já atingiu no passado níveis de espectacularidade que arrastaram e entusiasmaram multidões e que muitos de nós ainda recordamos com saudade.

Todavia, os seus proponentes, se bem que tivessem conseguido impor um “palpite”, utilizando processos que hoje não são aceitáveis, não podem vir agora afirmar que acabaram com o “anti-jogo” ou, tampouco, que uma maior espectacularidade foi alcançada. Poderão somente dizer, e isso parece-nos o ovo de Colombo, que reduziram a área onde o anti-jogo pode ter lugar, pois a espectacularidade, essa, só se obtém com um alto nível de técnica individual ou de táctica de grupo e não com traçado de linhas no campo.

Por outro lado, se fizermos uma análise mais atenta da alteração da regra tal como a Federação Portuguesa fez adoptar através da sua circular nº 19/83, podemos verificar uma contradição óbvia e antecipar que as formas de anti-jogo vão todas ocorrer na área adversária, onde deverão ser reprimidas com a aplicação do Artº 65º, que sempre existiu, mas esquecido, nas Regras de Jogo.

Perguntamos: – se o anti-jogo deixa de existir em metade do rinque e vai ser combatido pelo árbitro, na outra metade, por meio da aplicação do Artº 65º, porque não fazê-lo do mesmo modo em todo o campo? Se os árbitros foram avessos durante estes anos todos, a utilizar este Artº, a pontos de permitirem que certas equipas, em certos jogos, retivessem a bola no seu lado do campo, sem intenções de atacar, tudo isso mesmo nas suas barbas, como poderemos acreditar que eles o farão agora, quando uma equipa for instalar-se na área adversária, a matar tempo com passes contínuos, o que se pode confundir com a dificuldade em vencer a resistência oposta?

O problema da paz ou do anti-jogo é uma questão de estado de espírito, de intenção deliberada de cada uma das partes. Conseguiremos a paz se tivermos o desejo profundo de não combater e eliminaremos o anti-jogo, se estivermos animados de uma vontade genuína de competir e de jogar. Se uma equipa entrar em campo sem esse espírito, não vai ser com certeza a linha que a demoverá dessa atitude, pois ela encontrará sempre um modo de agir negativamente do outro lado dela.

É ainda demasiado cedo para avaliarmos as consequências desta mudança tão radical que me traz à memória as palavras proferidas pelo Presidente do Comité Olímpico Internacional, sr. Juan António Saramanch, durante o Congresso da Federação Internacional de Roller Skating (FIRS), em10 de Setembro de 1982:

…«Esta modalidade – Hóquei em Patins – tem passado por um refinamento contínuo. As regras de hoje são diferentes daquelas que tínhamos vinte anos atrás. Contudo, devemos reconhecer que este avanço técnico e táctico favoreceu em particular, tácticas defensivas, especialmente em jogos em que as equipas mais fortes se defrontam uma contra a outra. Estes jogos deveriam ser os mais espectaculares e os melhores, mas em muitas ocasiões são muito fracos»…

…«Para mim este é o primeiro problema que vocês têm de resolver, mas não com mudanças de regras cautelosas mas sim, com mudanças drásticas de modo a devolver ao Hóquei em Patins todo o espectáculo que possuía no passado. Eu penso que isto é possível, e vocês devem fazê-lo»…

…«Do mesmo modo devem recordar-se do espectáculo pobre que resultou do último desafio efectuado entre as duas maiores equipas do vosso desporto»…

…«e o vosso desporto deve então estar preparado com o número de países filiados e necessários à vossa Federação, e também com regras modernas que devolvam todo o espectáculo do passado»…

…«Contudo, falando francamente, o primeiro passo deve ser dado por vós»…

Já antes, em Maio de 1982, o mesmo Presidente dissera aos jornalistas e dirigentes máximos da modalidade, aquando do Mundial realizado em Barcelos:

…«o Hóquei patinado sempre quis entrar no programa Olímpico e as tentativas, desde há muitos anos, têm sido bastante numerosas»…

…«As Federações devem fazer, então, um esforço maior para que o Hóquei seja Olímpico»…

…«já aconselhei que se apresente um regulamento para tornar o Hóquei mais espectacular. A retenção de bola destrói muita cor e em despiques entre as melhores equipas existe uma monotonia que deve desaparecer o mais rapidamente possível! Não sou técnico, mas vejo que se impõe uma mudança radical»…

O negrito é nosso.

Claro que só em face destes conselhos e insistências, por parte da maior autoridade desportiva mundial, é que podemos hoje compreender a posição da “trilogia” Castel-BrancoPresidente da FPPPresidente do CIRH, ao fim e ao cabo uma e a mesma pessoa, que levou à proposta e “manobra” verificada em Roma, originando a aprovação da linha de anti-jogo a meio campo.

A Trilogia não reparou bem nas palavras proferidas pelo sr. Saramanch: «devem recordar-se do espectáculo pobre que resultou do último desafio efectuado entre as duas maiores equipas do vosso desporto», as quais para nós, tendo sido ditas em Setembro de 1982, só podiam referir-se à final do Campeonato do Mundo realizado em Barcelos, entre Portugal e a Espanha, que vencemos brilhantemente, num jogo e espectáculo memorável, que nada teve de pobre e que culminou com a oferta de um emblema de ouro a Chana, pelo próprio Saramanch, num reconhecimento implícito da grandeza desse jogador e da equipa que ele representava. Estivemos presentes nessa prova para poder afirmar que essa foi uma das melhores partidas que a nossa Selecção fez.

A Trilogia ignorou, entre outras coisas:

– A opinião e argumentos expostos pelo treinador que convidara para estar presente em Roma.

– A opinião dos restantes técnicos e jogadores portugueses, antes e depois do Simpósio.

– Os votos contrários de outros países presentes.

– Todas as outras alterações aprovadas, cerca de quinze, que resolveu esquecer na gaveta, como se não existissem ou como se não concorressem para uma maior espectacularidade de jogo.

– O facto que tanto a Espanha como a Itália, parceiros da manobra, ainda não aplicarem essa linha a meio do campo, apesar do convite do CIRH.

– Que Portugal terá de jogar no próximo Mundial com as regras antigas, pois a aprovar-se definitivamente essa proposta, não cremos que ela entre em vigor no Campeonato do Mundo que vai realizar-se em Novara, em Setembro deste ano. (E esse foi o caso, não entrou em vigor).

Sim, a Trilogia ignorou muitas coisas, especialmente as modificações de ordem técnica e táctica, que esta alteração vai provocar e que só o tempo poderá dar relevo. Para já, dois dos melhores guarda-redes do mundo, a actuar em Portugal, devem andar bastante perplexos.

Á Trilogia só interessa correr para junto da cúpula desportiva mundial e exultar: «Viram? Contra tudo e contra todos… contra ventos e tempestades, com manobra e rapidez fulminante, alterámos esta coisa radicalmente! Acabámos com o anti-jogo e transbordamos de espectacularidade! Podemos entrar agora… podemos entrar nos Jogos Olímpicos?»

Temos dúvidas, mas parece-nos que o Hóquei em Patins, para entrar nos Jogos Olímpicos, terá de ultrapassar barreiras enormes e complexas, que não se compadecem com “palpites” arquitectados de ânimo leve.

“Golpe Duplo”, Nº 4 – Abril de 1984

Pág. 23 a 25 – Cartas

CARTAS ABERTAS A UMA TRILOGIA

QUASE QUADRILOGIA

1

Meu caro Castel-Branco

Li, com bastante atenção, o teu depoimento ao jornal “A Bola”, de 9 de Fevereiro deste ano e registei certas afirmações que fizeste, entre as quais, uma que me toca directamente. Disseste o seguinte:

«Sem querer ofender os saudosistas, sem querer ofender as grandes glórias do nosso hóquei, a verdade é que antigamente só os portugueses e os espanhóis levavam a sério a modalidade. Os nossos adversários de então deslocavam-se aos Campeonatos com um espírito de turista».

Sobre esta questão, asseguro-te que não poderás ofender as grandes glórias da nossa modalidade, pois, como é do conhecimento geral, nunca jogaste hóquei em patins, sendo óbvio que não percebes nada disto.

Recordo-me, como se fosse hoje, que quando era menino e moço e vim a Portugal e ao resto da Europa, encontrei “glórias” do nosso hóquei, de estatura enorme, tais como o Raio, Edgar, Jesus Correia, Correia dos Santos, Velez, Matos, Cruzeiro, Lisboa, Perdigão, etc., contra quem joguei e com quem joguei várias vezes, tendo podido avaliar a força deles.

Todos aqueles que passámos por isto, sabemos que esses Campeonatos não foram uma “pêra doce”. Em 1955, uma Espanha vencia um Chile por 2-1, Portugal empatava com uma Alemanha e vencia uma Suíça somente por 2-0. Em 1956, a Espanha empatava com a Alemanha 1-1, a Itália ficava-se por 1-1 contra a França e perdia 0-1 contra a Alemanha e nós sacávamos 3-1 contra a Bélgica.

Em 1958, agora no meu tempo, aí tivemos uma Espanha a empatar contra uma Bélgica e nós a vencermos esse país por 2-1, arrancados a ferro e fogo. Etc…

Caro Castel-Branco, no “antigamente” haviam cerca de 10 países envolvidos regularmente nas competições Mundiais e Europeias e podemos aceitar, à priori, (mas tu exageras), que 50% eram turistas.

Mas hoje, ao contrário do que afirmas, a situação não é nada diferente, antes pelo contrário, é pior. No último Campeonato do Mundo, realizado em Barcelos, apresentaram-se 22 países, metade dos quais eram turistas estreantes. Mas na outra metade restava ainda uma outra metade constituída pelos turistas veteranos, o que dá uma percentagem de 75%. Como vês, aquilo que dizes é incorrecto.

Eu sei que és um apaixonado pelo hóquei em patins, totalmente obcecado por ele, e respeito as inúmeras horas que vens dedicando ao desporto, com as pressões, frustrações e sacrifícios que todos nós conhecemos.

Deixo-te a “contar os tostões”, pois como dizes, sem eles é difícil operar. Todavia, chamo-te a atenção, com um certo “saudosismo” que no meu tempo, no tempo da minha Selecção, a tal das glórias, instalávamo-nos na Pensão Moreira, em Paço de Arcos ou no Hotel Central, em Sintra, com cama limpa, boa mesa e roupa lavada. Os “Pentas” e outros “4 estrelas” não estavam na moda e nem sequer faziam falta, sendo aqui, talvez, que tu devas procurar os tostões que não encontraste para as necessidades da nossa Selecção de Juvenis e não encontrarás para a de Juniores.

Largo-te com a cegueira da tua paixão e com o respeito que mereces, como pessoa individual que és.

Um abraço, Chico.

2

Exmo. Sr. José Castel-Branco                                                                                          Presidente da Federação Portuguesa de Patinagem

Afirma o senhor, em a “A Bola” de 9 de Fevereiro do corrente ano, textualmente:

«Respeito todas as opiniões. Fui um dos apresentadores da proposta, mas não pude discuti-la, pois tive de regressar, por razões profissionais, a Portugal. A proposta passou sem eu estar lá, quero eu dizer que não tive de defendê-la, passou sozinha…»

Por outras palavras, o senhor quer dar a entender que o manuscrito, em papel timbrado da Federação Italiana, representando a posição do sr. Castel-Branco, era tão óbvia, tão clarividente, tão “eureka”, que passou sozinha, assim mesmo?

E reconhece agora, também que é sua, a proposta de anti-jogo apresentada no simpósio de Roma? Mas no jornal “A Bola”, de 13 de Outubro do ano passado diz, também textualmente:

«Antes de mais nada quero dizer que, ao contrário de que você admite, eu não sou o “pai da criança”, já que nem tive a possibilidade de participar no simpósio.»

Onde ficamos, sr. Presidente da Federação, estará porventura a querer apropriar-se da proposta do sr. Castel-Branco? O sr. Presidente não ficou lá, não participou das discussões e portanto não pode dizer se a proposta passou sozinha ou acompanhada, mas eu permito-me esclarecê-lo que essa proposta obteve “zero” votos.

Temos em nosso poder cópias as propostas originais, da Espanha, da Itália e da nossa, que pessoalmente subscrevemos, como técnico convidado pela sua Federação. Nenhuma delas propõe a linha de anti-jogo a meio campo. Misteriosamente, sr. Presidente, foi a proposta do sr. Castel-Branco – que “não passou”, – aquela que está hoje em vigor em Portugal!… Não passou na assembleia, mas “passou” nos corredores do hotel.

Nessa entrevista do ano passado, o sr. Presidente disse, em letras bem gordas, que “levámos quem pudemos e não quem queríamos”. Isso também não é correcto, além de ser um insulto para quem foi. O sr. Presidente levou exactamente quem quis, porque os outros, possivelmente, não pactuariam de ânimo leve, com obsessões irracionais. Em três dias de trabalho, dois dos elementos que o sr. Presidente escolheu a dedo, falaram cada um, 3 minutos, um para ler a posição do sr.Castel-Branco e votar a favor dela e o outro para apresentar o seu “curriculum desportivo” e, claro, para votar a favor da linha de meio campo.

Sr. Presidente, o sr. não esteve lá, mas pode facilmente perguntar a esses dois elementos que mencionei, pois eles são, hoje, o seu Vice-presidente e o seu Seleccionador Nacional de Juvenis.

Os meus cumprimentos e as melhores saudações desportivas.

F.V. – técnico indicado para ir a Roma.

3

Dear Mr. José Castel-Branco – Comité Internacional Rink Hockey

Dear Mr. President

V. Exa, é um organismo internacional, sediado em terras portuguesas! Numa entrevista saída em 7 de Janeiro deste ano, o sr. Lacambra, actual Presidente do CERS (Confederação Europeia de Roller Skating), teve palavras de elogio para com V. Exa:

«Ele é o Comité Internacional. O seu grande problema é que os membros do CIRH estão dispersos e ele tem de fazer tudo. Castel-Branco trabalha muitíssimo e tem prestado à patinagem sobre rodas serviços inestimáveis. Com a ajuda do secretário do CIRH. José CasteL-Branco está a realizar um trabalho muito bom e é querido e respeitado em todo o mundo.»

Não disputamos esse parecer, mas V. Exa, isolado no seu escritório, em Lisboa, está a abusar da hospitalidade que lhe foi garantida por Portugal, ao fazer testes com o Desporto Português, com os atletas portugueses.

V. Exa. Só ouve o Presidente da Federação Portuguesa e o sr. Castel-Branco, porque os seus colegas do CIRH vivem nas antípodas, dispersos por esse mundo fora.

Quando se reúnem os três, V. Exa. Deve ficar emocionado com a paixão do sr. Castel-Branco e com a facilidade com que o Presidente da FPP se deixa influenciar por aquele. Gostaríamos de ler as minutas desses encontros e das decisões tomadas pelos três. Será que mudam de cadeira quando falam ou será que as paredes do “Office” estão forradas com espelhos, para parecerem muitos?

V. Exa, como organismo internacional, recebeu, no ano passado, apoio financeiro do presidente do Comité Olímpico Mundial, sr. Samaranch, para organizar o simpósio de Roma. Ele foi claro nos seus conselhos: «Mudem radicalmente os senão… não entram nos Jogos Olímpicos!»

V. Exa. Chama imediatamente o presidente da Federação Portuguesa, tem uma conversa a dois, discute a crise da espectacularidade, falam que Portugal vai perder um comboio já perdido há longos anos, em suma, V. Exa. Assusta o nosso presidente da Federação.

V. Exa, como órgão estrangeiro, sediado em Portugal, está a tornar-se um perigo não só para os portugueses, como para o mundo inteiro. Porque V. Exa., isolado nos escritórios do CIRH, só tem uma visão parcial do problema, as quatro paredes espelhadas que reflectem uma… quadrilogia paradoxal!

V. Exa. esqueceu-se que é presidente do Comité Internacional de Rink Hockey, que está legislar para o mundo inteiro e não está autorizado a fazer do Hóquei em Patins português, uma cobaia ao serviço da humanidade. A sua acção começa a tornar-se destabilizadora e, em linguagem diplomática, imiscuir-se nos negócios internos dum país, traz o risco de uma pessoa ser declarada “personna non grata”.

My regards. Um cidadão, apaixonado lúcido, da modalidade.

4

Colega treinador – José Castel-Branco

Tens aparecido agora de fato de treino; mais precisamente, de fato de Treinador, que te fica mesmo a calhar. Nunca te tinha visto com ele. Sei que aqui em Portugal é tudo fácil. Os cursos são de 3º grau e os cursistas é que estabelecem a matéria que constitui a nossa disciplina. Fico muito satisfeito por teres adquirido o Diploma.

Reparei também que és um apaixonado pela linha de anti-jogo a meio-campo, aquela que o Castel-Branco fez passar “sozinha” em Roma e que já manifestaste as tuas opiniões à comunicação social, entre as quais, duas, que muito me impressionaram:

– «É mais fácil assim do que ao contrário. Ficaremos habituados a jogar num espaço reduzido e encontraremos muito mais espaço no Campeonato do Mundo.»

– «Mesmo que as regras novas não sejam aprovadas em Paris, julgo que o hóquei português, no decorrer do próximo Mundial, a jogar pela lei antiga, terá vantagens, pois está rotinado para jogar para a frente e vamos por certo surpreender os nossos adversários!» (Recordo que perdemos contra a Argentina, Espanha e Itália.)

São dois pensamentos profundos, estes. É uma teoria que merece a nossa melhor análise. A ser como tu dizes, então devíamos treinar nos balneários, pois aí a área é reduzidíssima e os efeitos seriam muito maiores e nos Mundiais, então, encontraríamos uma galáxia de espaço. Não há dúvidas, que desse modo, não só economizaríamos energia eléctrica com iluminação da pista, que agora não é necessária, como podemos poupar os equipamentos, pois atletas até podem treinar nus, prontos para o chuveiro.

É uma ideia, caro colega, devemos discuti-la. Parece-me, no entanto, que o Seleccionador Nacional de Seniores não concorda contigo. Aliás, a maioria dos treinadores da I Divisão, já reuniram e mandaram uma carta ao presidente da Federação, a discordar do Castel-Branco. Mas tu não estavas presente, portanto não podias saber.

Agora essa do “estar rotinado a jogar para a frente” é que é boa! Sim, senhor, não há dúvidas que surpreenderemos os nossos adversários, habituados que estão a ver-nos de costas. Excelente, colega, eles até apanham um susto quando virem os nossos bigodes!

Caro colega, a linha a meio-campo não foi a causadora do grande jogo a que assistimos em Alvalade, entre o Sporting e o Porto. Eu também ando aqui há muitos anos, estive lá e sei que foi o estado de espírito das duas equipas que originou esse inesquecível espectáculo. Tem havido por aí, partidas de hóquei que são uma autêntica miséria. E quando dizes que nenhuma equipa que esteja a jogar pode segurar a bola, eu aconselho-te a falar com outros treinadores para ouvires a opinião deles.

Ainda há dias vi uma equipa que perdia por 5-6 e que desejava, a todo custo, uma bola que lhe era negada pelo adversário, nos cantos opostos do rinque.

É melhor reunirmos, colega, eu, tu e todos os outros, antes que o Castel-Branco vá até Paris e baralhe aquilo tudo. Tu sabes que ele é um apaixonado incandescente e cego, controlado habilmente pelo presidente do CIRH, mesmo sob as vistas do nosso presidente da Federação. Este também ando um pouco só, e talvez seja conveniente fazermos uma aproximação. Recordo que ele disse, no passado, que estava aberto ao diálogo… Temos de ir até lá e dizer-lhe:

– Não estamos aqui para dialogar, viemos para mostrar-lhe como é, pois Você não percebe nada de hóquei em patins! Vamos, colega, vamos reunir rapidamente e discutir este assunto, pois só desse modo podemos proporcionar à nossa Federação, um parecer correcto que lhe permita prestigiar o nosso hóquei em patins a nível das reuniões internacionais.

Até breve, um abraço.

Francisco Velasco. Treinador

“Golpe Duplo”, Nº 5 – Junho / Julho de 1984

Pág. 26 a 27 – Artigo

TORNEIO DE PARIS

A APOTEOSE DO…

Por FRANCISCO VELASCO

(Não vou reproduzir o texto deste artigo, na íntegra, mas sim transcrever alguns parágrafos relacionados com o que até aqui foi exposto).

…«E a crise é de tal modo profunda, que só um esforço enorme, numa frente vastíssima, poderá suster a desagregação que a modalidade de hóquei em patins evidencia, com os estertores isolados que se ouvem por parte de todos nós.

– Atletas sem tranquilidade. – Treinadores sem curso. – Clubes sem projecto. – Árbitros desmobilizados. – Associações apáticas. – Provas sem imaginação. – Federação fossilizada.

Claro que este estado de coisas, em cada uma das suas faixas, só serve a “alguns”, ou a pequenos “grupos de alguns”, sendo obviamente mau para todos, em geral.»…

…«Posto isto, agora, subitamente, organizou-se o Torneio de Paris, com um dos intuitos declarado de testar a linha a meio-campo e a linha 4 metros atrás do meio-campo, aquela com que os espanhóis já jogam há três anos”. Espanhóis espertos!…

Mas, o Torneio de Paris não serviu para teste, por mais que os seus organizadores venham bradar aos céus…

… e só nos admiramos que o seleccionador nacional, até há bem pouco tempo um oponente acérrimo dessa variação, tivesse permitido que a nossa selecção participasse nessa prova que só veio baralhar o campeonato nacional em curso…

Testes à linha de 4 metros antes do meio campo já foram feitos durante três anos pelos espanhóis. Testes à linha de meio campo estão a ser feitos em Portugal este ano! O que é que foram ver em Paris, que não tivessem já visto nos países mencionados, “leaders” da modalidade?…

O único teste a fazer não teve certamente lugar neste Torneio de Paris. Para obtermos resultados conclusivos, teríamos de testar as selecções nacionais, durante 9 dias seguidos, a pelo menos um jogo por dia, tal como nos Mundiais e Europeus…

Por outro lado, uma Federação que se preze, estuda e introduz as alterações que ache justas e, com base na sua experiência e resultados, procura depois convencer as suas congéneres. Assim o fez a Espanha… Assim o fez a Itália…

Assim não faz Portugal, cuja Federação, voltada obcecadamente para o “céu olímpico”, está despudoradamente a esquecer o “inferno terrestre”, que não sabe como enfrentar.

O Torneio de Paris foi a apoteose do confusionismo, do compadrio…

Finalmente, como curiosidade, temos registado que na época de 1982/1983, durante o nosso campeonato nacional, sem a linha de anti-jogo a meio-campo, verificaram-se, em média, 8,39 golos por partida, número mais elevado do que em Espanha, onde joga com a linha a 4 metros do meio campo, e que ocasionou 8,00 golos por partida.

Este ano, em Portugal, época 1983/1984, com a linha a meio campo, obtivemos os seguintes valores:

– Tornei de Abertura – 12,24 golos por partida

– Nacional, 1ª volta – 10,17 golos por partida

– Futuro – ?

Incógnita interessante para os apologistas de muitos golos. Se calhar, com o andar dos tempos, voltaremos aos valores que obtivéramos antes, nos dois últimos campeonatos nacionais, de cerca de 8,50 golos por partida (já por si superior à média de todos os Mundiais e Europeus até hoje realizados).

Em face disto, sinceramente, perguntamos aos malabaristas se pensam que escapam a uma análise serena, científica e inteligente de todas estas actuações de circo?

Números são números… e o azeite acaba sempre por vir ao de cima da água, é uma questão de tempo!

Comentário: “E o azeite veio ao de cima:

Jornal “A Bola”, de 14 de Abril de 2010, quadro de classificação à 20ª Jornada do Campeonato da 1ª Divisão: 2096 golos Marcados e Sofridos em 278 jogos é igual a:

7,54 golos por partida!”

Repescar estes artigos e esta controvérsia de há um quarto de século, pode parecer estranho. Mas não existe da minha parte qualquer intenção de ferir as individualidades que protagonizaram estes eventos. Pretendo simplesmente demonstrar que, infelizmente, não temos aprendido como os nossos erros do passado e continuámos, desde então, a utilizar os mesmos métodos errados para resolver os problemas sérios que a modalidade enfrenta. Pior ainda, continuamos a fazê-lo hoje, como se estivéssemos a martelar pregos num caixão, para que o Hóquei em Patins fique bem fechado e enterrado.

Em boa verdade, a aparente animosidade contida nestes escritos, não existiu, nem teve reflexos entre as pessoas envolvidas, que continuaram a conviver, de modo respeitoso, umas com as outras. Direi que, nem um mês se tinha passado após o artigo acima ter sido publicado e o sr. Presidente da Federação Portuguesa, José Castel-Branco, convidava-me para assumir o cargo de Director Técnico Nacional, terminologia ultrapassada e substituída por Seleccionador Nacional.

Uma descrição detalhada deste convite, e o que daí resultou, aparecerá seguidamente neste Site. Entretanto, segue-se um último artigo meu, publicado no jornal “Record”, em 27 de Outubro de 1989, passados cinco anos e relacionado com a Anatomia da Linha de Anti-jogo, cujo título foi da responsabilidade do jornal.

Hóquei em patins – uma análise impiedosa

O reino da incompetência e da improvisação

Por Francisco Velasco *

Esta modalidade é curiosa! É de todas quantas conheço aquela que não consegue acabar com a longa travessia que tem estado a fazer pelo deserto. Não digo isto pelo facto de Portugal ter perdido o Campeonato do Mundo. Tão-pouco por ter iniciado a prova com um par de exibições francamente pobres.

Se esses foram factos incontestáveis, a verdade é que Portugal poderia ter ganho este Mundial pois possui uma selecção de jogadores altamente capacitados, os quais, apesar de terem começado inexplicavelmente mal, acabaram por recompor-se e mostrar a sua verdadeira face com prestações sucessivas de alto gabarito que foram as restantes partidas até à final.

E uma final é sempre um tanto imprevisível, como se viu um Chile a eliminar uma Argentina! Ganhou a Espanha, mas os vencedores poderíamos ter sido nós. Ganhou a Espanha e bem, se tivermos em conta que na fase de apuramento (cinco jogos) os nossos vizinhos marcaram tantos golos quantos Portugal e a Itália combinados, tendo sofrido cerca de metade do que estes sofreram, em conjunto.

Mas não é disso que esta minha intervenção pretende tratar. Ao falar na tal “travessia do deserto” refiro-me a aspectos concretos da modalidade e quando menciono a modalidade refiro-me ao hóquei em patins português, pois o que se passa aqui tem efeitos no resto do mundo.

Em termos tácticos, quase nada evoluiu nestes últimos anos!

Táctica é inteligência aplicada às acções desportivas. Estas podem ser produto da acção individual do jogador ou da acção colectiva da equipa, da acção do treinador ou do dirigente. Numa análise sintética, pois o espaço mais não permite, e começando por ordem inversa, temos que:

O dirigente dirige mal! Na sua corrida para o olimpismo, na sua precipitação e cegueira, está a transformar a verdadeira essência do hóquei em patins numa bastardização do hóquei sobre gelo. Não defende o hóquei em patins que herdou, deixa abandalhar a sua “constituição”, as suas regras de jogo, aquilo que ao fim e ao cabo caracteriza a modalidade, individualizando-a em confronto com as demais.

Incapacitado mas presunçoso, manobra e força o aparecimento de linhas no meio do campo, 4 metros para trás, dois para diante, 10 por cento do comprimento, 22 metros de lá para cá! Parece um cientista, um conhecedor de causa, porém não sabe sequer do que está a falar, nunca tinha pensado no assunto, aventou um palpite e os incautos ficam impressionados.

Importa modelos estrangeiros, sem estudo, sem debate e participação séria, sem previsão de consequências. Introduz “play-offs”, abandona “play-offs”… Redicularizou a grande penalidade, antes batia-se na bola, hoje pode-se conduzir a mesma até ao nariz do guarda-redes, amanhã… acabarão por chutá-la!

Anos atrás queria mais golos. Aumentou pela primeira vez a baliza permitindo que o guarda-redes defendesse no chão. Ficou tudo sensivelmente na mesma. Estupefacto, esse mesmo dirigente voltou à carga. Autorizou “seticadas” de alto a baixo, descrevendo arcos de 180º como no golfe, como no hóquei sobre gelo. Não se apercebeu de que com isso lá se foi a precisão da “seticada”, não reparou que com isso os guarda-redes começaram a defender mal, começando por cair (leia-se por “se defender”), algumas vezes mesmo antes da bola partir do “stick” do adversário.

Mas o dirigente, esse lá da cúpula, é insaciável, quer ir para os Jogos Olímpicos mesmo que não leve o hóquei em patins mas sim qualquer coisa parecida. Vai daí muda a cor da bola para laranja (efeitos televisivos, disse-se após vários anos de debate). Dez minutos depois de introduzirem o novo colorido, em plena prova europeia, retiram-na da pista e repescam a velha bola negra! Cor de melão… deve estar esse dirigente a congeminar agora; cor de melão!

Notável e gravosa é também a sua falta de imaginação. Escrevi há tempos, neste jornal, que a cúpula federativa todos os anos varria o lixo para debaixo do tapete e todos anos começava de novo! Mudaram o sistema pelos vistos. Agora levantam o tapete e vão buscar o lixo que lá tinham deixado anos atrás. O novo aumento das dimensões das dimensões das balizas proposto pelos italianos em 1983 no Simpósio de Roma, não resistiu aos argumentos estatísticos por mim pessoalmente expostos na altura. Essa proposta foi formalmente chumbada pelos países presentes. Desde então, nada mudou, as médias de golos por partida não baixaram quer em Itália, quer em Espanha, quer em Portugal

Se a precisão de “stikada”, como gesto desportivo, é desanimadoramente baixa, pois não é apurada como deveria ser, porquê sancionar essa mediocridade com o aumento das balizas? Aumentar as balizas no hóquei em patins será o mesmo que baixar a altura da rede de voleibol. Um comentador da modalidade afirmou, na televisão, que isso é um sinal de evolução. Permito-me discordar, não é, com certeza, antes pelo contrário. Se fosse, hoje teríamos no futebol balizas de 12 metros e no basquete cestos com um metro de diâmetro.

Pai, isto é uma baliza de andebol!

Modificar os elementos estruturais da baliza, utilizar materiais modernos, tubulares, com um novo “design”, é evolução. Aumentar as suas dimensões é declaradamente um parafuso metido à martelada e vamos ter de viver com a madeira toda rachada.

Legado dos “engenheiros”

O treinador, essa figura tão importante, tão fulcral no desenvolvimento da actividade desportiva, já atingiu no hóquei em patins o ponto mais baixo do seu prestígio. O último mapa que elaborei e mantenho arquivado algures, mostra para espanto e minha tristeza, que no espaço de uma época, na 1ª Divisão Nacional, 14 ou 16 clubes mudaram de treinador mais de 30 vezes!

Isto diria tudo mas também sei que a responsabilidade não é só dele. O dirigismo da modalidade a nível de clube, tal como o dirigismo de cúpula, aparenta gostar do hóquei em patins. Porque se gostasse a valer, já teria descoberto que não pode mudar de treinador todas as épocas, que não pode mudar de jogadores com tanta frequência, pois o entrosamento das grandes equipas foi sempre conseguido exclusivamente através de vários anos de prática em conjunto. O treinador de hóquei em patins não consegue do dirigente as condições mínimas de estabilidade, que lhe permitam executar um trabalho decente e que se veja.

Entrou na época moderna, legislada pelo Governo, vestindo a capa de alta competição, com o emprego sistemático de frases feitas, de chavões estereotipados. Todos os anos ouvimos:

– Confio na juventude desta equipa…

– Estamos imbuídos do espírito ganhador

– Com muito trabalho, espírito de sacrifício e humildade

Perdem quase sempre!

– O piso estava escorregadio…

– O árbitro…

– A sorte…

Lamentam-se sempre.

É cansativo, por ser repetitivo. É enganador por ser supérfluo. O treinador tem de desnudar a sua alma e reconhecer que não domina o fenómeno da táctica de grupo, inalienável em todos os desportos chamados jogos colectivos. O hóquei em patins é mais do que os tão badalados “quadrados” e “losangos” impenetráveis. Todas as figuras assumidas por um grupo que se defende, por mais cerradas que sejam, podem ser desmontadas dum modo inteligente. Devem atentar ao que se passa no basquetebol.

O hóquei em patins, ao contrário de outras modalidades que já atingiram graus de desenvolvimento táctico colectivo muito elevado (basquetebol, râguebi, voleibol, andebol) que defendem, atacam e contra-atacam com acções premeditadas e conscientes, só sabe contra-atacar! Defende-se tacticamente mal e, quando ataca, não sabe criar ou pôr em campo acções de carácter colectivo ofensivo, com movimentos sincronizados de todos os seus jogadores. Quando de posse da bola, limitam-se a trocá-la entre si, defronte do adversário, patinando dum lado para o outro do rinque, monotonamente, para tédio dos espectadores.

O jogador, o cerne de toda a questão, isolado ou agrupado, é de todos os parceiros o que menos culpa tem. Tal como no passado, necessita de liderança, tranquilidade, carinho, necessita dum projecto. Nestas últimas décadas sofreu modificações profundas. Deixou de ser o atleta para ser o trabalhador. Com o advento do profissionalismo, deixou de ser livre para se tornar subserviente. As necessidades económicas, representada por importantes subsídios mensais, assim o determinam. Saiu do Sul, do seu clube de origem, para ir estrangeirar-se no Norte ou Centro. Não faz parte dessa comunidade que agora o rodeia. São sorrisos quando joga bem, é o “chulo” quando joga mal. Não tem protecção desportiva. Distanciado do seu treinador, encontra-se só e abandonado. Retrai-se, não faz ondas. Tal como o “Lucky Luke”, o cavaleiro solitário, este ano dá uns tiros aqui, no próximo ano dará na outra margem. É uma figura linda, e não estou a ser sarcástico (convivi frequentemente com ela), é uma montanha de humanidade, de querer e de talento hoquista à mistura.

Aceitou resignadamente os gritos do seu treinador. Na sua tentativa de concentração no jogo, dadas as solicitações que o mesmo exige, e o telecomando barulhento e irritante do banco, resiste tenuamente e vai adaptando-se. Perde gradualmente a audácia e com ela a criatividade. Como disse atrás, não é livre, está espartilhado. Não pela táctica mas pelos berros:

– Passa a bola!… – Recua!… – Setica!… – Não sai daí!…

E, para agravar, lá no fundo da sua memória, a voz rouca e histérica do comentador desapontado:

– Incrível, meus senhores!… Erros desta natureza não são admissíveis em alta competição! Recordo-me da voz ansiosa e insistente do meu amigo Orlando Dias Agudo:

– Agora, o que Portugal precisa é de uma jogada de génio do Vítor Hugo…

O jogador de hóquei em patins português foi sempre e é ainda um jogador de alta craveira atlética e técnica individual. É na generalidade um belíssimo patinador, com grande domínio de bola e extremamente veloz. A nata que constitui as várias selecções terá somente que treinar com mais afinco e regularidade o gesto e o momento correcto da seticada, melhorando consideravelmente a sua pontaria.

A partir daí a responsabilidade é do técnico que terá de criar as tais movimentações colectivas sincronizadas que removam o defensor que barra o caminho do ataque, a fim de que este possa agir nas condições ideais, quer passando, quer seticando. O jogador tem de continuar a manter a sua inesgotável paciência e terá de quebrar o seu isolamento e ajudar o treinador desprestigiado. Não pode deixar que o mesmo se afunde, maltratado por um dirigismo obcecado e irracionalmente exigente. Estão todos no mesmo barco!

– Como?… Não sei, nem vejo como saber.

O 1º Seminário de Hóquei em Patins/Jogos Olímpicos/Barcelona 92, agendado pela Federação Portuguesa de Patinagem para esta altura, não teve a receptividade que se previa, e foi adiado para o fim desta temporada.

Elucidativo! Á beira de um momento tão sério e histórico como as exibições para os Jogos Olímpicos, é estarrecedora a indiferença com que este Seminário foi encerrado. O “sobado” que não se fantasie com a capa de alta competição, já perdeu a credibilidade e, pelos vistos, não engana sequer os mais distraídos.

* Antigo jogador e campeão do Mundo, autor também do “cartoon”

(Meu comentário, neste cerrar de cortinas: Tudo indicava um triste desfecho, três anos depois, no Torneio de Hóquei em Patins, de exibição, que decorreu em Espanha, durante a realização dos Jogos Olímpicos 1992, Portugal alcançou, pela primeira vez, a pior classificação de toda a sua história até esse momento. Não conseguiu sequer o “bronze”):——- 4º lugar

Ainda em tempo…

Para terminar este assunto do simpósio de Roma, vou transcrever as únicas propostas apresentadas por escrito para discussão em plenário, com excepção da do árbitro português, que retirei das minhas notas feitas durante os trabalhos, pois por mais que solicitasse nunca consegui obtê-la, nem tampouco dos registos da Federação Italiana à qual, posteriormente, pedi por escrito. A minha proposta será apresentada no final.

Itália

A – “Modificación de las puertas de juego”: – (nota: Aumento das balizas para 1,75×1,15) – “Consideraciones: – mayor posibilidad de efectuar redes (nota: golos)… menor influencia del portero (respecto a la que tiene hoy)”

B – “Eliminación del empate”… – “Consideraciones: – Alguna vez, el juego queda “que estanca” porque el empate satisface los dos equipos, daña otros equipos interesados en la clasificación”…

C – “Substitución de un jugador expulsado” – Consideracionnes: – defender la spectacularidad e eliminar el juego violento e incorrecto”… Cuando un equipo se queda en pista com três o quatro jugadores… esto significa arruinar el espectáculo…

D – “Goal Average – Substitución del cuociente redes com las solas redes realizadas.”

E – “Aumentar el rádio de curvatura de los ângulos de 1 mt”.

F – “Modificar la actual línea antijuego (nota: coincidente com a linha de grande penalidade) no soluciona el problema de los tiempos muertos en el centro pista… Mas adelantamos la línea e más reducimos el campo de juego… De toda a manera, el eventual adelanto de la actual línea debería ser contenida dentro de un máximo de dos metros”.

G – “Técnicas e tácticas de juego…” – (Nota: Sugere que este é assunto do foro dos treinadores, não havendo proposta).

H – “Obligación por cada equipo de tirar en red dentro dun tiempo máximo de 45 segundos”. Consideraciones: … recorrer la via de otros deportes, véase water-polo y baloncesto (nota: basquetebol)… experiencias e estadísticas nos consolam… si un equipo dentro de 40 segundos no termina su acción pierde la pelota en favor del adversario…”

I(nota: uma variante da interpretação do artº 65º, que não merece discussão)

L – “Color de la pelota”… para la toma de vistas televisivas…

Espanha

M – Tiempos muertos para entrenadores. (nota: time outs)

N – Eliminación definitiva da la falta de “pies”.

O – Faltas directas y penalty. (Propõem que nas marcações destas faltas, o jogador possa, além de seticar de imediato, levar a bola até ao guarda-redes), “com el propósito de engañar o “driblar” al portero com la pelota controlada”…

P – “Consideraciones sobre faltas del portero”. (nota: – As regras diziam que o guarda-redes é punido com grande penalidade quando: A – derruba intencionalmente o adversário; B – quando defende sem o setique na mão; C – quando bloqueia a bola) – “Pero en los otros dos casos, B e C , perda involuntária del stick y retención de la pelota, estimamos que la falta óptima a aplicar debiera ser, a lo sumo, la de simple “booling” (nota: golpe duplo) entre dos, en uno de los rincones (nota: cantos) de la pista…”

Q –“ Expulsiones”. (nota: substituição de jogadores expulsos por suplentes) e permitir que de 8 passe para 10, o número de jogadores registados pelas equipas.

R – “Antijuego”. (nota: – mover a linha de anti-jogo 4 metros para lá do meio campo, com a que Espanha já jogava há dois anos…).

S – Rinconceras antijuego – (Propõem um sistema nos cantos, com saliências, que não pegou).

José Castel-Branco

T – “Propose to mantain the anti-game aera (sic) as stated in the regulations. Creating a new area between the line of anti-game and the centre line, where the team has 10 seconds to keep the ball in, and after leaving it cannot get back”.

Carlos Bica

1Linha de anti-jogo a meio campo e tempo restrito a 30 segundos.

2Eliminação da marcação de faltas indirectas dos cantos da área junto à tabela e sua marcação nos cantos superiores.

3Eliminação do golpe duplo, “booling”, das Regras.

4Criação duma zona atrás da baliza vedada à passagem dos atacantes de modo a obrigá-los a seticar.

5Marcação de grandes penalidades até entrar.

Devo esclarecer que participei neste Seminário com o único intuito de avançar com uma proposta, limitada ao máximo de 10 possíveis alterações às Regras, que me foram solicitadas. Li-as em português pois existia tradução simultânea e pensei que seria tudo.

Inesperadamente, perante as outras propostas apresentadas, acabei por intervir com uma frequência inusitada, (senti até que estava a tornar-me um chato), tendo sido o único elemento presente que as contraditou do pódio, argumentando com suporte documental, a que todos puderam aceder.

Antes de mais direi que votei a favor da Itália nos pontos D e L; da Espanha, o ponto M; do árbitro Carlos Bica, o ponto 2.

Do meu contraditório e argumentação, resultou a posterior não aprovação dos seguintes pontos: da Itália, os pontos A, B, C, F e H; da Espanha, os pontos N, O, P, Q, R e S; de José Castel-Branco, o único ponto T; finalmente, de Carlos Bica, os pontos 1, 3, 4 e 5.

Acho que tudo isto deve ter sido um sonho meu, pois mais tarde li uma extensa entrevista dada pelo dirigente Hub Teixeira, a António Ramos, do jornal “Gazeta dos Desportos” de 10 de Agosto de 1983, que pelos vistos só sabia falar para os jornais ou pelos corredores, pois em todo o Seminário de Roma não o vi abrir a boca. Espantoso como este dirigente, numa página inteira, dissertando sobre as propostas dos vários participantes, referiu-se às do treinador Velasco, que ele próprio indicou para a representação portuguesa, com uma única referência e do modo que a seguir transcrevo:

“Quanto à duração do tempo do jogo, ser alargado para 60 minutos (divididos em três períodos de 20), ficou sem efeito a proposta de Velasco”

A minha proposta

1. Aplicação integral do Artº 65º das Regras de Jogo, por parte dos Árbitros, para eliminação do anti-jogo e avanço da “linha de “anti-jogo” para 1/3 do comprimento do campo. (Ao levantar a questão de que para lá da “linha de anti-jogo”, este seria punido pelo Artº 65º e à pergunta porque não aplicar essa regra em todo o campo? Não obtive resposta).

2. Manter as dimensões das balizas e autorizar variações nos materiais de construção, secção tubular, redes. (Demonstrei por meio de estatísticas, que ninguém pôs em causa, que o nível geral da precisão de seticada era muito baixo e que, ao aumentarmos as balizas, estaríamos a sancionar essa mediocridade).

3. Permitir tempos mortos, “time-outs”, aos treinadores. (Coincidente com outras propostas).

4. Arredondamento dos campos com um círculo de 3 metros. (Mantenho ainda esta variação).

5. Situar a linha de penalty definida pelos dois postes da baliza, à distância fixa de 2 metros da tabela de topo. (Resultando uma faixa de um metro para passagem, evitaríamos aglomerados de jogadores a lutarem pela posse da bola, atrás da baliza. Na atura não havia a proibição de um jogador ficar parado nessa zona, mas ainda hoje se luta por lá).

6. Situar obrigatoriamente os bancos dos jogadores, um de cada lado da linha de meio campo. (Era do conhecimento geral que, em vários recintos, os bancos das equipas estavam situados nos topos dos mesmos, mas que ninguém se manifestava contra isso).

7. Obrigar as equipas à mudança de banco, nos intervalos dos jogos. (Justifiquei com o facto de as claques, na altura, acomodarem-se por detrás do banco dos adversários e passarem o jogo a cuspir para cima deles. Recordo-me que uma vez entrei no campo, como treinador, e sentei-me num dos bancos. Minutos depois era abordado pelo treinador da casa, um bom e famoso amigo meu: – Esse é o meu banco! – disse-me, casualmente. Olhei para ele, com um sorriso, e perguntei-lhe: – Aquele é onde se cospe? – A ti? Nunca, Chico! – retorquiu meio indignado. Essa resposta, como é óbvio, fez-me reflectir que devíamos pôr cobro a esse comportamento aviltante por parte dos apaniguados, ou pelo menos dividir o mal pelas aldeias).

8. Eliminar o “goal average” como factor decisivo de desempate e substitui-lo pelo factor maior número de golos efectuados. (Para mim, este ponto era aceitável, se bem que tenha ideias próprias sobre o coeficiente mais adequado para estes casos, que poderá ser apreciado noutro local deste Site)

9. Aumentar os tempos de duração das partidas para 60 minutos efectivos, divididos em períodos de 20 minutos e a possibilidade de 1 “time-out” para cada treinador, por parte, ou em duas partes de 30 minutos, com a possibilidade de dois “time-outs”, passando o elenco de jogadores de 8 para 10. (Em 1º lugar porque estava em linha com o aumento do elenco de jogadores inscritos, permitindo a utilização de todos, o que não acontecia na altura, existindo eternos suplentes que nada mais faziam do que aquecer o banco; em 2º lugar, porque iria dar a cada jogador cerca de 1 minuto mais de posse de bola, uma vez que, com um simples cálculo, se demonstra que cada jogador não chega a ter a bola consigo 3 minutos, em 50 de jogo! e em 3º lugar, este menos importante, porque um espectáculo, com menos de 1 hora, seria, a meu ver, curto demais para o que se paga e para o trabalho que as pessoas têm de se deslocarem aos pavilhões)

10. Criação dum gabinete técnico-estatístico a nível da FIRS, para efeitos de compilação de informações e eventual estudo em detalhe da modalidade. (Como foi por mim argumentado, esta era a maior lacuna das instituições de cúpula, especialmente a FIRS, que impediu até hoje, entre outras acções, a criação de um Manual de boa prática da modalidade, em todos os aspectos da mesma, a distribuir em várias línguas pelos países interessados).

Nota: Fui feroz opositor da obrigatoriedade de seticar em 30 ou 45 segundos, sob pena de perder a bola para o adversário, como aparecia em várias propostas. Acho que argumentei de forma emocional, pois as minhas estatísticas, em 1983, revelavam que ocorria 1 seticada em cada 22,04 segundos do jogo, mas como só se setica quando se entra na área adversária, a realidade, de acordo com os meus registos, era que se verificava 1 seticada em cada 12,86 segundos, valor confirmado por outra estatística que fiz em 1985, compilada por meio dum vídeo que analisei, do jogo entre o Sporting de Tomar e o Cascais, à 12ª jornada da 1ª volta. Ora, limitar uma seticada a 30 ou 45 segundos, causaria inevitávelmente um efeito contrário ao que se pretendia.

De qualquer modo, nessa minha calorosa intervenção, acho que por inspiração de momento, cunhei (exijo direitos de autor…) a seguinte divisão entre os desportos colectivos: – Pedi para repararem que existem jogos Volumétricos e outros que são Planimétricos, cabendo a nossa modalidade neste último grupo. Que uns são jogados numa caixa e que outros, num plano; que uns olham para o “volume” podendo também ver mostradores digitais a contarem segundos e que outros olham para o plano e não podem olhar para os lados, para o alto, senão roubam-lhes a bola. Extravasei-me dizendo que o homem do basquetebol, ao esgotar-se o tempo, atira a bola de qualquer lado para o alto, mas que o hoquista não pode ter um olho na bola e outro no mostrador, e que acabaria por  seticar contra o adversário, pois não vai entregar-lhe a bola, de bandeja, contribuindo, desse modo,  para o aparecimento de graves lesões.

Mais ainda, quanto à questão de desejarem mais golos, que golo é espectáculo… pedi ao treinador da Espanha que me dissesse qual a média de golos do campeonato deles, com a linha 4 metros para lá do meio rinque. Não me respondeu e, se bem me recordo, tive de mostrar-lhe as tabelas classificativas que tirei da minha maleta, onde todos puderam ver que na terra dele tinham sido marcados 1922 golos o que dava 8,00 golos por partida e que em Portugal, sem essas regras, se marcaram 2013 golos, resultando uma média por jogo de 8,39.

Em relação ao jogador expulso poder ser substituído, adverti que um treinador ou alguém menos escrupuloso, (felizmente acho que isso ainda não sucedeu, mas se tivermos em linha de conta que, hoje em dia, autocarros são apedrejados ao chegarem aos locais de competição, haveria que precaver), até poderia mandar um jogador fraco lá para dentro com o fito de dar uma cabeçada no “galáctico” que lhe pode estragar os planos, partindo-lhe o nariz. Aí, o agressor seria expulso e substituído por um mais forte e a equipa adversária enfraqueceria porque a sua “estrela” foi parar ao hospital!

Mas os “engenheiros das regras” continuam a repescar propostas chumbadas no passado, ora copiando “power-plays”, ora transformando o Livro das Regras num autêntico “código penal” e julgando que com isso o moribundo do hóquei vai reerguer-se.

O “Homo Neanderthalensis” raciocinava melhor, com mais cabecinha, como dizia o outro, e era mais criativo, porque não era burocrata nem tinha caneta de marca, remexia as coisas no crânio, e tão bem o fez, que aqui estamos hoje nós, Sapiens Sapiens… infelizmente, a escangalhar tudo!

Com excepção dos pontos 1 e 9 da minha proposta, todos os outros foram aprovados. Nada de especial, mas na altura parecia deveras importante.

Enfim, “c’est la vie!”

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