Para dar uma ideia dos levantamentos efectuados, reproduzo as memórias descritivas de cada um dos portos da costa norte, Laga e Manatuto, bem como uns incidentes memoráveis, num e noutro porto. Outras ilustrações poderão ser incluídas mais tarde, assim que preparadas.
…
PORTO DE LAGA
Descrição
O Porto de Laga fica situado na costa norte de Timor. As suas coordenadas geográficas aproximadas são as seguintes: – Longitude: 126 graus 34′; -Latitude: 8 graus 29′.
Protegidas a Sul pela cadeia de montanhas do Matabia, que corre mais ou menos paralela à costa, o Pequeno Porto de Laga parece oferecer condições excepcionais como porto, não só devido às grandes profundidades junto da costa e inexistência de perigos tais como bancos de coral ou de areia na zona do ancoradouro, como também à sua situação privilegiada que permite ser um escoador das regiões de Lautém, Laga, Viqueque e, inclusivamente, de Baucau, situada a menos de 20 quilómetros por mar.
O aspecto físico da área adjacente à Vila de Laga dá ideia de enorme escadaria que cai penetrando no mar, situando-se o Posto Administrativo e a residência do Administrador no degrau mais elevado, a Vila no seguinte e a zona portuária no mais baixo.
Sobranceiro à pequena baía que é o Porto de Laga, situa-se a Alfândega, um edifício de alvenaria, onde actualmente se encontra instalada uma equipa de assistência de tropas de 2ª Linha, que ocupa toda a zona portuária com as suas instalações militares. À volta, dispersas pela costa, vêem-se várias casas de palapa de timorenses que se dedicam fundamentalmente ao cultivo das várzeas de arroz existentes em seu redor.
A oeste, a cerca de 80 metros da Alfândega, desagua a Ribeira de Laga que, ao contrário do que seria natural, não tem provocado assoreamento digno de se registar talvez devido à quebra profunda que o terreno faz defronte da foz. A nordeste, existe uma faixa de coral que corre nesse sentido e que, segundo informações, não descobre no baixa-mar.
Em toda a extensão da praia, numa faixa com a largura de 15 metros, vê-se calhau rolado com um diâmetro de 2 a 5 centímetros. Entre a estação “F” e um bocado depois da foz da ribeira, mesmo defronte da estrada que passa junto ao mar, aparece outra faixa de calhau rolado, a seguir e paralela à primeira, com uma largura de 10 a 15 metros, em que o diâmetro da pedra varia atingindo 20 e 30 centímetros.
A uns 40 metros a nordeste da Alfândega, ergue-se o Farolim do porto, construído em alvenaria mais ou menos nos mesmos moldes dos existentes nos outros pequenos portos.
Mais adiante, a uns 7 quilómetros a leste da Vila de Laga, junto da estrada Laga – Lautém e perto do mar, existe um enorme depósito natural de sal gema que o signatário visitou por curiosidade, na companhia do Administrador de Posto, e que, segundo este, pode produzir cerca 1000 toneladas anuais. Os materiais de construção que se podem obter nesta região, além de areia, são a cal e a brita.
Informações pormenorizadas sobre ventos e estado do mar não se conseguiram obter, mas segundo o que se ouvia deste e daquele, regista-se que no período correspondente a Janeiro, Fevereiro e Março, o mau tempo assola o porto tornando o mar agitado e com forte ondulação. É nesta altura que os ventos sopram do planalto de Baucau, isto é, do sentido oeste. Durante o resto do ano, o tempo é óptimo vindo os vento do norte. As chuvas verificam-se também no primeiro trimestre do ano.
A estrada de 1ª classe. Baucau – Laga – Lautém atravessa a Vila situada a uns mil metros do porto, havendo um desvio (estrada) que desce até este, circundando o edifício da Alfândega e indo ligar à estrada de 1ª classe por outro lado.
Levantamento do Porto
Levantou-se cerca de 2,5 quilómetros da costa e zonas adjacentes e uma área que cobre o ancoradouro. Os pontos conspícuos são o edifício da Alfândega, o Farolim do porto e, gradualmente mais acima, a Vila e o Posto Administrativo.
Não foi feita a ligação à rede geodésica de Timor dada a inexistência de vértices nas proximidades, sendo que as coordenadas utilizadas foram arbitradas e os azimutes magnéticos. As cotas foram referidas a um plano que passa 2,03 metros abaixo do nível médio das águas e 4,919 metros abaixo de uma cápsula metálica chumbada no canto leste, anterior, do edifício da Alfândega.
O nível médio das águas foi determinado a partir de um gráfico de curvas de marés verificadas num período ininterrupto de 48 horas que se obteve por meio de leituras das águas efectuadas de 10 em 10 minutos, numa escala levantada defronte da foz da ribeira e mantida na vertical por arames.
Referências fixas do levantamento são os marcos de cimento com a inscrição “BP“. O Marco I colocou-se junto a praia, numa crista inacessível ao mar. O Marco II colocou-se defronte da moradia de Mariana Castro por baixo de uma árvore grande. No outro sentido, na margem esquerda da ribeira, junto à crista da praia, colocou-se o Marco III e mais adiante, também na crista, o Marco IV.
Construiu-se uma quadrícula sobre alumínio, adequada ao porto, de modo a que as sondagens abarcassem uma área razoável. As sondagens foram feitas por perfis em número de 38 distanciados entre si 50 metros que ficaram orientados para o norte magnético. A zona defronte da Alfândega, desde a estação “F” até à estação “K“, foi sondada com o prumo de sonda e cabo de aço, graduado de 10 em 10 metros, e o remanescente dos perfis, com a sonda sonora.
Durante o levantamento com a sonda sonora, verificou-se que o aparelho só registava nas fases III e IV, (120 a 140 pés), quando o declive do terreno era gradual. Mas, se porventura, e isso sucedia frequentemente, o terreno passava de pequenas para grandes profundidades, deixava de registar. Como ideia do declive do terreno junto à costa, deixa-se anotado que certo local da baía foi sondado com o prumo de sonda, acusando 26 metros de profundidade para, imediatamente à frente, a escassos dois metros de distância, o prumo de 35 metros não chegar ao solo.
A carta do Porto de Laga foi construída sobre uma folha de alumínio, à escala 1/2000 e servirá de matriz definitiva. Todos os elementos que serviram de base à sua construção foram devidamente registados e arquivados.
Distribuição de trabalhos.
I – Na orientação dos trabalhos esteve o signatário, que efectuou o levantamento topográfico da costa, o cálculo da poligonal executada para determinação de coordenadas e cotas, a determinação do nível médio das águas e respectiva fixação em terra e o levantamento hidrográfico da costa, além do levantamento a fio de prumo de 7 perfis. Fez também o cálculo da implantação de perfis e a implantação dos mesmos no terreno.
Nestes trabalhos empregou os seguintes aparelhos: no levantamento topográfico, um teodolito T1-A; no nivelamento, um nível Zeiss Ni2 e no levantamento hidrográfico, além de um prumo de sonda graduado, com 35 metros de comprimento, uma sonda sonora Raytheon DE-119-A. Desenhou também a carta do Porto, à escala 1/2000, sobre a folha de alumínio.
II – Coadjuvando com o signatário, esteve o auxiliar de topógrafo, Vitor Godinho, que tratou dos registos dos elementos colhidos no campo. Efectuou também o cálculo de cotas das cadernetas de levantamento topográfico e as reduções de sonda do levantamento hidrográfico.
Levantou 7 perfis, a prumo de sonda e fez a implantação do levantamento na matriz de alumínio. Na implantação das cotas obtidas por meio de sonda sonora, foi utilizado um “station pointer“.
III – No controlo do material e instalação dos acampamentos e fundição de marcos esteve o porta mira-chefe Filipe. Foi também observador de sextante no levantamento hidrográfico, tendo colaborado, sempre que necessário, em trabalhos de gabinete.
Registo diário do trabalho
Dia 25/5/63 – Sábado: – 1) Saída de Lautém na Modestinha, pelas 16h30 e chegada a Laga pelas 19h30.
Dia 26/5/63 – Domingo: – 1) Montagem do acampamento. -2) Reconhecimento da zona de trabalho; localização dos locais para fixação de marcos e montagem da escala de marés – 3) À noite, erecção da escala e início das leituras das águas.
Dia 27/5/63 – Segunda-feira: – 1) Colocação dos marcos de cimento. 2) Trabalho de gabinete: Porto de Lautém: construção da carta.
Dia 28/5/63 – Terça-feira: – 1) Início do levantamento topográfico: Marco I e estação “A”. Forte tremelina fez terminar o trabalho bastante cedo. -2) Finalização do relatório de Lautém. – 3) Continuação da construção da carta de Lautém.
29/5/63 – Quarta-feira: – 1) Levantamento topográfico das estações “B“, “C” e “I-MII“. Forte tremelina impediu a continuação do trabalho. – 2) Passagem a tinta, na matriz de alumínio, das cotas do levantamento de Lautém e determinação da respectiva batimetria.
30/5/63 – Quinta-feira: – 1) Levantamento da costa: estações “C” a “J“. – 2) Trabalho de gabinete: cálculo de cotas.
31/5/63 – Sexta-feira: – 1) Finalização do levantamento da costa. – 2) Cálculo da poligonal (coordenadas).
1/6/63 – Sábado: – 1) Nivelamento da escala de marés. – 2) Nivelamento do Marco III. – 3) fim do cálculo da poligonal (coordenadas); cálculo de cotas da caderneta. – 4) Cálculo para implantação de perfis.
2/6/63 – Domingo: 1) Finalização do cálculo para implantação de perfis. – 2) Elaboração da pasta do Porto de Laga. – 3) Gráfico de marés e cálculo de cadernetas.
3/6/63 – Segunda-feira: – 1) Marcação de perfis desde o Marco I ao Marco III. – 2) Cálculo de cadernetas.
4/6/63 – Terça-feira: – 1) Marcação de perfis desde o Marco III ao Marco IV. -2) Sondagens com fio de prumo desde a estação”F” ao Marco III.
5/6/63 – Quarta-feira: – 1) Sondagem com sonda sonora do Marco I à estação “F“. – 2) Marcação de perfis. – 3) Cálculo de cadernetas.
6/6/63 – Quinta-feira: – 1) Sondagem com sonda sonora e com o prumo de sonda desde o Marco III ao Marco IV. – 2) Determinação das batimétricas de Lautém. – 3) Cálculo de cadernetas.
7/6/63 – Sexta-feira: – 1) Levantamento da irradiação “E“. – 2) Cálculo das cadernetas. – 3) Finalização da carta do Porto de Lautém.
8/6/63 – Sábado: – 1) Levantamento dos acampamentos. – 2) Partida para Manatuto às 17h30, (e chegada àquele porto às 02h30 do dia seguinte).
Laga, aos 8 de Junho de 1963
O TOPÓGRAFO, CONTRATADO (assinado)
FV/ Francisco Velasco
…
PORTO DE MANATUTO
Descrição
O Porto de Manatuto fica situado na costa norte de Timor. As suas coordenadas geográficas aproximadas são as seguintes: – Longitude: 126 graus 01′; -Latitude: 8 graus 30′.
Registo diário dos trabalho
Dia 9/6/63, domingo: – 1) – Chegada a Manatuto, na Modestinha, pelas 02h30 da madrugada. – 2) – Instalação do acampamento. – 3) – Reconhecimento da zona de trabalho
Dia 10/6/63, segunda-feira: – 1) – Colocação de marcos. – 2) – Levantamento da escala para leituras de maré. – 3) – Contacto com a Missão de Estudos Agronómicos a fim de obter elementos topográficos. – 4) – Trabalhos de gabinete: – carta de Laga (implantação). Estudo da triangulação geodésica da área de Maputo para escolha de vértices para apoio da poligonal da Brigada de Portos.
Dia 11/6/63, terça-feira: – 1) – Levantamento topográfico da costa e áreas adjacentes. Início no “Marco I” e fim na estação “C“. – 2) – Trabalhos de gabinete: – cálculos de cotas e carta de Laga.
Dia 12/6/63, quarta-feira: – 1) – Levantamento topográfico da costa desde a estação “C” ao “Marco III”. – 2) – Trabalhos de gabinete : – cálculos de cotas e carta de Laga (implantação)
Dia 13/6/63, quinta-feira: – 1) – Impossível o trabalho junto ao “Marco III”, na foz da ribeira Lacló, devido a forte ventania. – 2) – Nivelamento do “Marco II”. – 3) – Trabalhos de gabinete: – cálculos de cotas e carta de Laga. – 4) – Pelas 20h00, a embarcação “Pancho” desgarrou, sendo arrastada para o largo. Montagem de um dispositivo pela costa a fim de a localizar.
Nota – Dei conta da sua falta, pois era meu hábito, quando todos tinham recolhido às suas tendas para dormir, pegar na minha lanterna de 5 pilhas e verificar se tudo estava bem no acampamento. E foi chocado que não vi a embarcação. Possivelmente, a âncora teria caído num declive muito acentuado, típico das profundidades em degrau na costa norte. Altamente preocupado com a possibilidade da embarcação desfazer-se contra as rochas, agi de imediato instruindo 3 porta-miras, com lanternas, para dispersarem-se para leste, a 600 passos uns dos outros e enviando outros 3 para oeste, criando uma frente de mais ou menos 3 quilómetros.
Dia 14/6/63, sexta-feira. – 1) – Localização da lancha
Depois de contactar pela rádio a Capitania do Porto de Dili, informando-a do sucedido, decidi escalar o ponto mais alto da costa, na vizinhança, acompanhado pelo marinheiro da lancha. Equipado de binóculos, lanterna e 3 bandeirolas topográficas de 2 metros, iniciámos uma subida penosa, em plena escuridão, por atalhos desconhecidos e eventualmente chegámos ao topo. Pouco tempo depois alvoreceu e os primeiros raios de luz pintaram o mar de prateado, permitindo-me varrê-lo com os binóculos. Não quero exagerar, depois de espetar uma bandeirola no terreno, devo ter ficado ali de pé, um par de horas, a tentar descortinar uma mancha no mar que se diferenciasse dos reflexos que, com o decorrer do dia, se tornavam mais brilhantes, tendo a agravar, a ondulação crispada. Meus olhos até lacrimejaram. Todavia a certo momento, para meu júbilo, dei com a embarcação, uma mancha reduzida quase imperceptível. Recuei rápidamente para trás da bandeirola inicialmente cravada e sem perder de vista a mancha, cravei a segunda bandeirola, dando origem a um alinhamento. Recuei ainda mais e espetei a terceira bandeirola, como precaução. Mostrei ao marinheiro onde estava a “Pancho”. Sorriu-se cheio de alegria após o que lhe ensinei a mover a segunda bandeirola sempre que a embarcação derivasse, e alinhar a terceira pelas duas primeiras.
Aproximei-me de seguida da beira do monte e, ao olhar lá para baixo, dei conta de uma pequena povoação de pescadores, com as suas longas pirogas na areia. Ocorreu-me a ideia de mobilizá-los, expliquei ao marinheiro o que pretendia fazer e que o papel dele na orientação seria importante. Ora sucede que tudo isto foi debalde, um autêntico fracasso. Os pescadores aprestaram-se e lançaram 2 pirogas ao mar, eu fui numa com mais uns seis ou sete e o Godinho noutra (não me recordo se este bom companheiro estava comigo ou em Dili, ele o dirá). Guiei-me pelo braço estendido do marinheiro e durante os primeiros mil metros tudo correu bem, só que a dada altura, ao largo, a forte corrente arrastou-nos implacável e velozmente para leste, ante o esbracejar alucinado do marinheiro no topo do monte. Nada havia a fazer senão desistir e, o que durara uns 15 minutos a pôr-nos a milhas, acabou por se tornar num fatigante regresso de um par de horas, a remar com pás incansavelmente para vencer a corrente. Chegámos exaustos à pequena baía dos pescadores e seguimos para o acampamento desiludidos.
– 2) – Primeiro apareceu um Cessna que bateu asas, significando que tinha avistado a “Pancho”. – 3) – Finalmente, chegou a lancha “Lacló” com os seus 2 potentes motores de 200 HP cada, que procedeu à recuperação da embarcação desgarrada.
Dia 15/6/63, sábado. – 1) – Levantamento das irradiações “ID” e “IE”.
Dia 16/6/63, domingo. – 1) – Descanso total.
Dia 17/6/63, segunda-feira – 1) – Levantamento topográfico desde o “Marco III” ao “Marco IV”. – 2) – Preparativos para a triangulação do “Marco II”. – 3) – Trabalhos de gabinete: – cálculo de azimutes dos vértices da Missão Geográfica.
Dia 18/6/63, terça-feira. – 1) – Triangulação dos “Marco II” e “Marco IV”. – 2) – Trabalhos de gabinete: – cálculo de cotas e cálculo da triangulação.
Dia 19/6/63, quarta-feira: -1) – Cálculo da triangulação e cálculo das coordenadas da poligonal. – 2) – Cálculo da implantação de perfis. – 3) – Levantamento da escala de marés.
Dia 20/6/63, quinta-feira: -1) – Implantação de perfis no terreno desde o “Marco I” ao “Marco IV”. – 2) – Mau tempo impediu sondagens, à tarde. – 3) – Trabalhos de gabinete: – carta de Laga.
Dia 21/6/63, sexta-feira: – 1) – Reposição de algumas estacas de perfis que desapareceram. – 2) – Mau tempo impediu sondagens. – 3) – Finalização da carta de Laga.
Dia 22/6/63, sábado: – 1) – Vaga larga e vento impediram sondagens no mar.
Dia 23/6/63, domingo: – 1) – Tentativa de sondar mesmo com mar impróprio. – 2) – Fizeram-se alguns perfis que não merecem consideração pelo pouco rigor que oferecem devido não só ao mau estado do mar como à sonda que não registou na fase 2.
Dia 24/6/63, Segunda-feira: – 1) – Não se fez nada visto o tempo ter-se mantido na mesma. E, como as previsões não prometiam melhorias, o levantamento do Porto não se efectuou.
Dia 25/6/63, terça: – 1) – Regresso a Dili onde chegámos cerca das 15h00.
Manatuto, aos 25 de Junho de 1963
O TOPÓGRAFO, CONTRATADO (assinado)
FV/ Francisco Velasco
…
Parte 7 – Segue-se Porto de Béloi – Ilha de Ataúro