1962
Além de “jacarés no mar e camarões nas montanhas”, havia também pessoas peculiares…
Como referi anteriormente, este foi um ano de intenso trabalho. Tive de terminar o levantamento topográfico da costa, desde a marca Fatu Bandeira, localizada pouco depois do cemitério de Santana, até Fatu Cama, extremo leste da baía, passando pela praia da Areia Branca, local muito concorrido aos fins de semana. Nesta altura, eu e o meu pessoal éramos levados no Land Rover, conduzido pelo topógrafo-chefe Lemos, para o local de trabalho com indicação que viria buscar-nos por volta do meio dia. Ora sucedeu que numa manhã as condições atmosféricas deterioraram, sob calor intenso, causando uma tremelina no ar que impedia leituras rigorosas na mira, a distâncias de 40/60 metros.
Interrompido o trabalho, fiquei umas duas horas a torrar ao sol, à espera que o topógrafo Lemos aparecesse. Não disse nada pelo caminho mas quando parámos defronte de minha casa, decidi resolver este problema de uma vez por todas, conforme esta conversa, muito aproximada da que ocorreu. – A partir de agora a viatura fica comigo… – sugeri. – Mas eu como topógrafo-Chefe preciso dela… – retorquiu ele. – Que eu saiba a viatura foi adstrita à Topo-Hidrografia, não podes assenhorear-te dela… – lembrei. – É que tenho assuntos importantes a tratar… – prosseguiu o Lemos – Muito bem, a partir de amanhã, se a viatura não estiver à minha disposição, não concluo o levantamento… – informei-o em tom definitivo – não posso correr o risco de ter um dos meus porta-miras escorregar nas rochas e fracturar uma perna e termos de ficar à espera que chegues… para mim isso não é uma opção!
No dia seguinte, na Brigada, a questão foi discutida novamente mas o bom senso imperou, sem levarmos a disputa ao Eng. Chefe. Propus que carregássemos as baterias dos rádio Motorola existentes, o Topógrafo Lemos ficava com um, eu com outro e o condutor Bosco com o terceiro. Deste modo, sempre que ele precisasse de tratar de qualquer assunto, chamava-me pelo rádio e eu mandava o condutor ter com ele, para o transportar, ficando contudo em contacto com este último, no caso de necessidade no local de trabalho.

Vista do extremo leste da baía, vendo-se a praia da Areia Branca, ao centro, situada antes de Fatu Cama, que não se vê nesta foto por se encontrar mais para a esquerda deste enquadramento.
Paralelamente, sempre que as condições de mar foram propícias, eu e o topógrafo Lemos levantámos com a sonda sonora, toda a baía para lá dos 300 metros efectuados com o fio de prumo. Este trabalho, liderado pelo topógrafo-chefe, ao controlo da sonda “Raytheon DE 19-A“, foi suportado por leituras de sextante apoiado por enfiamentos de 50 em 50 metros, balizados na praia por dois postes afastados, enterrados e alinhados a norte. Os ângulos lidos ao sextante, foram registados em cadernetas apropriadas, para efeitos de cálculos e respectiva implantação e eventual redução de cotas ao Zero Hidrográfico, dividindo-me entre os trabalhos de Gabinete e o reconhecimento da costa leste da baía que faltava levantar.
Este trabalho preliminar visava estabelecer visualmente o trajecto que teria de palmilhar, numa faixa estreita e rochosa, memorizando os locais onde estacionaria os instrumentos. Curiosamente, apanhei um susto à ida, pois ao saltitar de uma rocha para outra, sem querer molhar os sapatos, ainda com um deles no ar, desviei-o subitamente, pois o que me parecia uma rocha era afinal um pequeno tubarão que disparou como um torpedo e mergulhou deixando-me com um batimento de coração acelerado. Estaria a fazer uma sesta pelos vistos.
– Pessoa peculiar mas interessante…
Este incidente lembra-me o amigo topógrafo Conceição que estava a trabalhar numa praia pequena, do outro lado de Fatu Cama. Estava feliz por ter arranjado uma embarcação com um motor fora de bordo de 25HP, que lhe permitia deslocar-se para essa praia e efectuar o estudo da viabilidade de uma estrada ao longo da costa norte, na direcção de Manatuto. Certa manhã, convidou-me para dar uma volta dentro do porto. Fizemo-lo, acompanhado do filho, de 12 anos, que fazia o papel de timoneiro e que ele comandava com expressões náuticas: – “mais para bombordo!… agora a estibordo!“ – atrapalhando o garoto. Ria-me discretamente e quando me deixaram em terra, fiquei a vê-los rumar para ponta leste.
Como estava a controlar o afundamento de um pilar do cais, só voltei a varrer o horizonte após ter controlado o alinhamento da torre. Vendo algo estranho, peguei nos binóculos e, para meu espanto, vejo o pai e o filho a remarem afanosamente na minha direcção. Como vinham junto à costa, mandei o condutor Bosco ao encontro deles. O Conceição chegou algo agitado, pois deixara o filho a pairar na embarcação. – “O motor soltou-e e afundou-se!” – Exclamou – Calma, vamos tentar recuperá-lo – sosseguei-o, calculando que o motor fora de borda não tinha sido colocado como mandam as regras.
Essa tarefa inesperada durou umas horas. Conseguimos da Capitania, um cabo de aço de espessura adequada e partimos na nossa lancha Pancho, efectuando um arrasto no local possível. E, milagre dos milagres, conseguimos enrodilhar o motor e, eventualmente, retirá-lo do fundo, para alegria de todos. Dias depois de o motor ter sido limpo e posto a trabalhar, o impagável Conceição, no regresso da sua lide, amarra a embarcação ao nosso bote de alumínio que estava ligado à Pancho que por sua vez estava amarrada à lancha Lacló. Este trio de nossas embarcações estava posicionado num ponto preciso do porto de modo a poder girar livremente, de acordo com a maré.
No dia seguinte, um tristonho Conceição, aparece na Brigada com a embarcação toda desfeita, pois como estava na cauda do grupo, ao girar, fora atirada para cima dos corais. Não soube como confortá-lo e ainda hoje fiquei sem saber como passou a chegar ao seu local de trabalho. – “Azar o dele!“
Todavia, um feito seu deveria constar do livro de recordes “Guiness”. Naquela praia por detrás de Fatu Cama, que nas marés baixas se transformava num piscina, matou com uma bandeirola de ferro um tubarão de tamanho razoável que ficara encurralado em águas pouco profundas. Tudo isso testemunhado pelos dois filhos que sempre o acompanhavam, e que me contaram o sucedido, sentados na minha varanda.
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A meu ver, o levantamento hidrográfico da Baía foi minuciosamente executado, de acordo com as exigências e o rigor que estes trabalhos obrigam. Na sala de Desenho, após a resolução dos cálculos, construí as matrizes das “cartas de sextante“ para as diferentes escalas das cartas a produzir, a lápis duro, depois cobertas a nanquim pelo desenhador Natalino, um jovem talentoso, que dez anos depois acabaria assassinado por indonésios, segundo informação que me deu o Vitor Godinho, quando me visitou em 1988 ou 1989.
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De um modo geral, no respeitante aos trabalhos, estes “choveram” para cima de mim. Em princípios do ano chegou um navio nosso, no célebre dia de “São Vapor” de que tanto ouvia falar, em que a população descia até à Marginal, vinda dos montes e juntando-se aos citadinos que em grupos conversavam alegremente, a observar a azáfama que acontecia no porto. Tratava-se do desembarque de várias companhias de militares. Até o cônsul da Indonésia, empolgado, passava e repassava de carro, sob comentários mordazes de alguns presentes: – Está a espiar…! O que ocorreu posteriormente, segundo umas fofocas, foi que a tropa desembarcada… re-embarcou durante a noite, voltando a deixar o navio pela manhã, se calhar para dar a impressão que eram muitos…
Quanto ao cônsul da Indonésia, conheci-o após ter derrubado a árvore secular descrita mais acima. Sucede que o mesmo enfiamento da nova estrada, obrigava a deitar abaixo uma árvore frondosa que se situava na fronteira da sua casa, sob a qual ele e os familiares, costumavam tomar chá durante a tarde. Convivi com ele uns dois ou três dias, achando-o uma pessoa muito sensível, para não apelidá-lo de poeta, com uma cultura alargada e grande senso e humor, o qual, dada a sua posição, era visivelmente proscrito pelas gentes da terra. Foram agradáveis as nossas conversas e calculo que não andasse a espiar no dia de “São Vapor“, (não precisava disso) e era levado a deslocar-se de carro, movido pela mesma excitação que animava os demais que ocorriam à marginal.
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Reitero que trabalho “choveu” sobre mim, literalmente, senão vejamos:
1 – Terminar o levantamento até Fatu Cama, mencionado acima.
2 – Apoiar o afundamento de 75% dos pilares do novo Cais, cuja construção tinha sido adjudicada à empresa Supico, dirigida pelo Eng. Ressano Garcia, sob uma fiscalização atenta mas demasiado implicativa do Eng. Lobo, da nossa Brigada.

Primeira fase da construção do cais, afundamento de pilares para definir uma plataforma de partida para o resto da obra.
3 – Traçar uma faixa estreita da futura urbanização da cidade, por empréstimo às Obras Públicas que não tinha nos seus quadros outro topógrafo, e abrir estradas onde aprovado pelo Plano Director, cravar estacas nos lancis projectados, para que os postes de iluminação fossem erigidos. Uma autoridade superior estava para chegar e estava previsto o acto solene de premir o botão e inaugurar a Central Eléctrica, em fase final, de 2 Grupos Geradores tipo Diesel de 278 KW de potência unitária. Até deixar Timor, fez-se luz em 1963, regulada das 19 às 22h00.
Foi uma corrida contra o tempo. Acompanhado por um enorme “buldozer“, conduzido por um Moçambicano de gema, Domingos, se não me falha a memória, abri as estradas pelo meio do capim, derrubei casas rústicas que tinham sido expropriadas, picotando os eixos das vias e respectivas larguras dos passeios, de modo a assinalar nas suas beiras, o local exacto onde colocariam os postes de electricidade. Já não me recordo quanto tempo durou esta tarefa que envolveu a utilização de TNT, obtido no Paiol Militar e que tivemos de amassar com cuidado, orientando eu o pessoal de acordo com as normas, bem como preparar os eléctrodos, fios eléctricos e o detonador que me caberia accionar manualmente.
Foi na fase final destes trabalhos, que uma árvore centenária barrou o caminho de uma via importante. Investiguei-a e encontrei no seu interior uma “capelinha“, cheia de velas derretidas, louça com restos de comida e pequenas bijuterias coloridas que me pareceram oferendas aos espíritos que habitavam o lugar, demonstrativas do forte “animismo“ que prevalecia no seio da população.
Custou-me imenso destruir esta preciosidade. Mas teve de ser à bomba pois as tentativas feitas para derrubá-la com o “buldozer” não surtiram efeito. Apesar de ser um árvore enorme que mais pareciam duas enroscadas uma na outra, as suas raízes que eram curtas, e formavam um manto, uma escova gigantesca com milhares de pêlos, enterrado no solo. Depois de tomar as devidas precauções, avisando a vizinhança e distribuindo os meus porta-miras por uma área circular de segurança, coloquei as cargas nos sítios que me pareceram mais indicados. Nesta altura, apareceu o amigo topógrafo Conceição que se ofereceu para me ajudar, dizendo que tinha rebentado muita rocha em Angola.
Declinei a gentil oferta e sugeri que colaborasse tirando uma fotografia do acontecimento. Por sorte ou eficácia, apanhou o exacto momento da explosão, e eu fiquei registado para a história como o destruidor de uma árvore com umas centenas de anos.

O exacto momento da explosão, vendo-se um cão a encolher-se assustado, quando accionei o dispositivo detonador.
A árvore rachou pelo meio, transformando-se em duas e foi fácil depois empurrá-las com a pá do “buldozer“, para o lado de fora deste caminho. Quando analisei o manto de raízes da árvore, agora exposto e relativamente pouco profundo, compreendi então porque resistira com tanta galhardia aos primeiros esforços para deitá-la abaixo. “A união dos pêlos fizera a força!“
Como nota de humor, no ano seguinte, sucedeu que o capim e arbustos rasteiros voltaram a crescer, proporcionando um inédito espectáculo de postes de luz, a iluminar os terrenos de novo tornados baldios. Na Messe de Oficiais os meus amigos militares, gozavam à farta comigo: – “Velasco… devias estar com os copos!“ – Encolhia os ombros e respondia com o dito corrente, que “esta era uma terra onde existiam camarões nos montes e jacarés no mar, não admira que hajam postes no matagal…!“.
4 – Tradução penosa e durante vários meses, noite atrás de noite, a traduzir o livro (“Independent Company“), escrito em 1953 pelo Comandante que liderou essa Companhia, Major Bernard Callinan, a qual, acossada pelos japoneses acabou por refugiar-se no nosso território, ante a objecção vigorosa do nosso Governador que, nada podendo fazer, encerrou-se no seu palácio, considerando-se prisioneiro. No meu tempo, o Chefe de Estado Maior, Major Dória, pretendia duplicar com a máquina “Roneo” uma tiragem mínima para ser distribuída pelas várias companhias dispersas em Timor. A razão subjacente a esta decisão, (de que cheguei a arrepender-me por ter-me oferecido, tal a monotonia da tarefa), residia no facto de a obra ser assaz descritiva de toda a Ilha. Esse facto, permitiria aos militares recém chegados, colocados em locais diversos, lerem-na e ficarem ao par das povoações vizinhas e dos seus usos e costumes. Os Australianos, sabendo que as suas vidas dependiam disso, não brincaram em serviço e, até serem evacuados em Dezembro de 1942, quase um ano depois de lá terem entrado, produziram mapas-esboço assinalando vilas e povoações, estradas e caminhos, pelo território inteiro. Verifiquei, enquanto traduzia, que praticamente nada mudara desde o fim da II Guerra Mundial o que me fez abrir os olhos para o abandono inaceitável desta parcela colonial, por parte das autoridades da Metrópole.
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– Pessoa peculiar mas ensandecida…
Neste período de muito trabalho de todos os sectores da Brigada, o Eng. Chefe Barbosa, convenceu a minha esposa Deanna a trabalhar como sua secretária-dactilógrafa, dado que muita correspondência estava a ser tratada, informações diversas para o Governo, mapas contabilísticos referentes ao progresso das obras do cais, que requeriam 3/4 papéis químicos no rolo e outras . Daí que ela saltitava da máquina de escrever de rolo A4, do gabinete do Chefe, para uma de rolo A3 existente na Secretaria.
Foi então que o Chefe da Secretaria regozijou com o aparecimento de um “índio“ , neste caso, uma “índia”, mais condizente com os seus pergaminhos e resolveu mostrar quem era o “boss around“. Entregando uma minuta à Deanna, concentrada nos seus mapas, pediu-lhe que a dactilografasse ao que ela respondeu que o faria, assim que terminasse o que tinha em mãos. Mas o homem insistiu que era urgente, indiferente do facto que retirar original e cópias do rolo, muito dificilmente se reajustariam depois. Ao receber a mesma resposta, levantou a voz, irado, quebrando uma norma de respeito que sempre existira naqueles escritórios.
Quando soube do que se passara, fui ter com o sujeito e disse-lhe, textualmente, que se voltasse a levantar a voz para minha esposa, viria ter com ele para lhe pedir explicações. Acto contínuo, virei-lhe as costas e fui para a Sala de Desenho. Nem passado um minuto, ouço passos apressados e gritos a caminho do Gabinete do Chefe e ainda entendi que se queixava que eu o ameaçara de morte. O Eng. Barbosa saiu para o corredor a chamar por mim em voz alta, meio zangado e eu fui ter com ele, ao mesmo tempo que lhe cortava a palavra com a sinalética universal: um dedo a girar na testa enquanto lhe dizia em voz baixa e calma: – “O homem enlouqueceu…!“.
O Eng. Chefe voltou para o seu gabinete, onde o tresloucado exigia que se chamasse a polícia ao que o Chefe respondeu que pegasse no telefone e fizesse ele a chamada. Assim foi e, passados uns três quartos de hora chegou o sargento Agapito, comandante da Polícia local, que depois de ouvir a queixa, veio conversar comigo e, logo a seguir, com o pessoal que estava na Secretaria. Depois dessas “démarches”, nunca mais o vimos.
Foi levantado um processo interno, com inquiridor e relator, ambos nossos funcionários, e apesar do queixoso ter ido visitar o dactilógrafo Manuel Carvalho, à noite, com duas garrafas de “whiskey” para lhe lembrar que eu o ameaçara de morte, nada conseguiu. Este, que era uma testemunha importante, revelou-me esse episódio no dia seguinte e as minhas únicas palavras que lhe enderecei foram: – “Acho que a sua posição é esclarecer exactamente o que se passou, nem mais nem menos“.
Para cúmulo dos cúmulos, no dia seguinte, ao começo do dia, um porta-miras, disse-me que o vira tirar uma pistola da pasta que carregava e colocá-la na gaveta da secretária metálica onde se sentava. Fui calmamente para o meu gabinete, retirei o meu revólver calibre .32 da mochila que sempre me acompanhava, meti-o no bolso detrás dos meus calções, com o punho de fora, bem visível, e nem sequer olhei para trás, posicionando-me no balcão de entrada, de costas para a “aventesma“, a falar com o porta-miras do outro lado. Se ouvisse o chiar da gaveta metálica, tenho a certeza que seria mais rápido que o “Lucky Luke“…! Disse-me o porta-miras com quem conversava, que o homem estava pálido, hirto e recostado no assento, com as mãos espalmadas no tampo da secretária, sabe-se lá a pensar em quê…
O processo foi arquivado por falta de provas e o Chefe de Secretaria, de cabeça perdida, virou-se inexplicavelmente contra o Chefe da Brigada e com quem é que se foi meter…! Apanhou mais uns tantos processos e foi demitido das funções públicas, acabando por regressar à Metrópole.
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– Outra pessoa peculiar mas simpática…
O Eng. Adjunto Lobo, manteve sempre umas relações cordiais comigo, especialmente porque ainda arranjei tempo para lhe desenhar os cais tipo, de madeira acostáveis, para serem construídos nos Pequenos Portos. Curiosamente, projectou-os consultando a sua “sebenta” da Universidade. Todavia, nada lhe passava despercebido na Brigada, o que se verificava também ao fiscalizar as obras no porto, metido numa casinhota de palmas, a espiar o empreiteiro, de binóculos, para intensa irritação deste.
O que nunca passou pela cabeça do Eng. Lobo é que um dia viria a assumir a chefia da Brigada e reunir semanalmente com o Governador. Mas foi o que se passou. O Eng. Chefe Eduardo Barbosa, teve de deslocar-se a Moçambique em meados do ano, por um período de um mês que acabou por se por estender por cerca de três meses. De espantar foi a decisão que o Eng. Adjunto tomou de transferir o Topógrafo-Chefe Lemos, creio que em Out?/Novembro, para as Obras Públicas, sendo óbvio que fora autorizado superiormente, com o argumento escrito de que ele não fazia falta na Brigada.
Posto isso, chamou-me e disse-me que assumisse o controlo dos Serviços de Topografia e Hidrografia e lhe apresentasse um plano de trabalhos global das missões que lhes cabia. Para mim era mais um desafio a cumprir até porque a ordem tinha sido dado por escrito. O topógrafo Lemos, na altura mandado efectuar o nivelamento da pista de Díli, veio ter comigo, tentando dissuadir-me de aceitar a incumbência. Fiz-lhe ver que já a aceitara e que devia pôr o problema ao Eng. Lobo. Nunca mais o vi, sabendo depois que embarcara com a esposa para a Austrália. Sem procurar minimizar a competência profissional do topógrafo Lemos, presumo que ir para esse país, fora sempre o seu objectivo.
Finalmente, para tornar curta esta história, quando o Eng. Barbosa regressou, algo sério deve ter ocorrido de que não tive conhecimento e que levou á instauração de uma série de processos disciplinares contra o Eng. Lobo, os quais culminaram na sua demissão das funções públicas, à semelhança do que sucedera com o “ensandecido“. Por ironia, num desses processos, fui nomeado inquiridor, coadjuvado por um relator e tive de ir entregar-lhe uma nota de culpa, na residência que fora construída na montanha para o topógrafo Lemos e que ele ocupava agora. – “Vai lá ao covil do “lobo” e ele que assine!“ – comandou o Eng. Chefe, com cara de poucos amigos.
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Aparte estes episódios, um ou dois conflitos na Brigada que só causaram transtorno e perda de tempo, sinto saudades desse tempo e das pessoas, por mais peculiares que fossem. Foi também um ano em que o meu filho Rui Paulo crescia a olhos vistos e as tardes decorreram prazenteiramente, com visitas mais regulares do Eng. Barbosa, depois do seu regresso, preocupado com o termo do meu contracto em Junho do próximo ano, dado que faltavam os levantamentos dos Pequenos Portos da costa Norte e do Ataúro.
Assegurei-o que permaneceria e fecharia o “dossier” referente à missão dos Serviços Topo-Hidrográficos, advertindo-o que a minha esposa Deanna regressaria a Moçambique com o filho, em Junho, e que tudo deveria ser preparado para esse efeito.
Entretanto, ainda tivemos tempo de celebrar o baptismo do nosso filhote:
– Segue-se parte 4