
Hockey Club Monza - Da esq. de pé: - Mec. Cesar Gianpiero, Valenti Lirio, Francisco Velasco, Alexandre Serra, Pardini Riccardo, Casiraghi Antonio, Picozzi Massimo, Galli dr. Andrea. Ricalcati Roberto e Beretta Giuseppe. Agachados: - Villani Fabrizio, Citterio Roberto, GRs Citterio Gianenrico e Biava Adriano, Righi Maurizio e PFis. Walter Arbertarelli
Como descrito anteriormente, das conversações travadas com um dirigente do Hockey Club Monza, ocorridas durante o Mundial de Barcelos, resultou um convite para treinar a equipa de Seniores desse clube, a confirmar-se posteriormente. Na altura, vivia em Paço de Arcos, no Bairrro Comendador Matias, tendo como vizinho o casal Serra, cujo filho Alexandre militava no Hockey Club Monza.
Durante um largo período em que o convite se cimentava, mantive conversas com o pai Serra, que me convidou várias vezes para estar no seu apartamento quando ele, aos fins-de-semana, efectuava um contacto telefónico com o filho, logo a seguir às jornadas, já pós época, que se tinham realizado na Itália. Falei uns minutos com o moço que me informou que havia uma grande expectativa pela minha chegada. Por outro lado, por iniciativa própria obtive todas as informações que precisava sobre o clube e o seu plantel, idades e curriculum desportivo e respectiva classificação no Campeonato da época anterior. Foi fácil ver que o desempenho da equipa tinha sido muito fraco visto que só não caiu de divisão por milagre. Empatado com o quarto classificado, a contar do fundo da tabela, escapou por um triz à descida dado que os 3 do fundo baixaram de divisão.
Pouco depois, em 9 de Julho, viajava para Monza, com o árbitro Pereira da Silva e outro cujo nome não me recordo, tendo sido recebido por Bruno Citterio, dirigente do clube e Luigi (Dodo) Fedeli, seu Director Desportivo. Esta estadia tinha como objectivo não só assinar o contrato pelo período de uma época, como também para me ambientar ao novo cenário. Fiquei instalado num Hotel local, recebendo por vezes visitas e almoçando com outros dirigentes e alguns atletas. Visitei com frequência a empresa do meu Director Desportivo, Elettrotecnica Fedeli, que me prestou preciosas informações sobre quase tudo que necessitava saber e que foi um companheiro sempre presente desde o primeiro ao último dia da minha experiência por terras transalpinas. Tornou-se um dos grandes amigos que ainda hoje prezo pela sua lealdade e conduta irrepreensível no trato que manteve comigo.
Deixado à vontade para orientar-me naquela pitoresca cidade, de vez em quanto deslocava-me a Milão, ora acompanhado pelo Director Desportivo, ora aventurando-me sozinho. Visitei a majestosa Catedral de Milão, com a sua Madoninna d’Oro, a brilhar lá no alto. Passei umas horas no silêncio pesado do seu interior, fascinado pela enormidade da volumetria, recheado de colunas robustas e altíssimas, bem como a admirar a sua impressiva arquitectura medieval exterior.
Ao olhar para as pesadas portas de metal, da sua entrada, procurei os furos de balas com que foram cravejadas durante a II Guerra Mundial e que registara 27 anos antes, aquando do Mundial de 1955. Dez anos depois desse avassalador conflito, ao viajar até Trieste, eram ainda visíveis os estragos causados por projécteis nas paredes do casario da paisagem rural que ia desfiando através da janela do comboio. Surpreendeu-me ver nesta cidade, pintada na fachada de um edifício de vários andares, em diagonal, uma enorme seta, indicando a entrada da sua cave, transformada num abrigo para salvaguarda dos citadinos em caso de bombardeamentos aéreos.
…
Assisti na residência de um dos dirigentes, em 11 de Julho à célebre final de futebol ganha pela Itália, frente à Alemanha, por 3 a 1, (golos de Rossi, Tardelli e Altobelli), depois de já terem batido por 3 a 2, (golos de Paolo Rossi), a famosa equipa de Sócrates, Zico, Falcão, Leandro, Cerezzo, Eder, etc., uma das melhores selecções de futebol espectáculo que o mundo vinha apreciando e que se apresentava como favorita, nesta prova. Foi o fim do Mundo com a população entusiasmada a sair à rua, em todo o país, para comemorar tão inesperado e fascinante desfecho. Foi o momento de Paolo Rossi, projectado ao pináculo da fama, bem apoiado por Zoff, Gentile, Schirea, Tardelli, Bruno Conti, Antognioni, Cabrin e outros.
Passada essa euforia e sendo verão, em que as pessoas preparam-se para ir de férias, assisti todas tardes aos jogos de futebol de pista, predecessor do Futsal, em que as balizas eram as de hóquei em patins e a bola, uma de futebol. Participaram dezenas de equipas amadoras de bairro e os jogos, muito animados, realizaram-se ao ar livre no histórico rinque do Hockey Club Monza, situado num parque frondoso, onde apodrecia a “velha” Sede, um barracão inapropriado que acomodava uma sala de troféus, uma sala de reuniões e pouco mais. Já por essa altura o clube realizava os seus jogos na Palestra de Via Ardigó, uma pista alugada a um Liceu local, com um excelente piso mas fraco na capacidade de acomodar espectadores, a rondar pouco mais de 1000.
Todavia, foi na “velha” Sede, que nos reunimos para assinar o contracto e onde se estabeleceu um objectivo para a época corrente que se limitava a não deixar cair o clube de Divisão na época prestes a iniciar-se e a pôr em ordem o plantel que me advertiram ser dos mais indisciplinados da liga. Foi novidade negociar com uma futura SAD, Sociedade Anónima Desportiva, detentora do Hockey Club Monza, modelo já em força na Itália e que só anos mais tarde foi introduzido em Portugal e, eventualmente, definir uma situação contratual baseada em regras absolutamente satisfatórias. Como era previsível, o compromisso foi firmado por uma época, correspondente a 1982/83.
Regressei a Portugal com Pereira da Silva, em 23 de Julho, via Barcelona/Corunha, acompanhando a equipa do Monza que ia disputar uma eliminatória europeia na capital da Galiza, após o que prosseguimos de carro até Lisboa. Empenhei-me de seguida a ultimar os preparativos para mudança de residência, em parte protelando a necessidade de encontrar uma em Portugal, visto que viver em Paço d’Arcos, em apartamento mobilado, não passava de uma situação transitória. Aproveitei este período de cerca de um mês, para aprender a linguagem italiana, atirando-me incansavelmente ao seu estudo, para o qual adquiri um livro, Italiano Vivo, de Giorgio Milesi e um Curso Linguafone, publicitado nas revistas e jornais. Passei praticamente oito horas por dia, de auscultadores nos ouvidos, a seguir as indicações dos mesmos, página a página, lendo, escrevendo e ouvindo a pronúncia correcta dos textos, em italiano.
Quando cheguei a Itália com a família, em 26 de Agosto, foi fácil interagir com os demais, que imediatamente aceitaram o meu “portuliano”, minimamente necessário para as funções que iria exercer e, penso eu, aceitável para os meus interlocutores. Emitiram-me um cartão de identidade de Dirigente do Monza, a fim de suprir certas formalidades locais, mal sabendo que, de acordo com o regulamento da Federação Italiana, teria de adquirir um licenciamento mediante exame a prestar antes do início da temporada. Esse exame, realizado em Roma, na Scuola dello Sport, do CONI, Comité Olímpico Nacional Italiano e organizado pela FIHP, Federazione Italiana Hockey e Pattinaggio, por inusitado, será objecto de descrição mais adiante.
…
Nas discussões travadas com os dirigentes da futura SAD, a acomodação em moradia local, bem como os estudos do meu filho, Cláudio, na altura com 10 anos, que seria inscrito na “Internacional School of Milan”, foram acautelados e seriam suportados pela parte contratante. Uma vez tratada a documentação necessária, no dia 26 de Agosto partimos descansados para a Itália, tendo sido acomodados temporariamente em Monza, no Albergo Falconi, uma estalagem local. Dias depois, formalizou-se a assinatura do contrato e um acordo de cavalheiros, por uma época, que foi cumprido na totalidade por ambas partes. Sabendo o que sei hoje, em relação ao Presidente do Hockey Club Monza, Dott. Claudio Vergani, uma personagem cavalheiresca, invulgar e de rara seriedade, apaixonadamente empenhado em projectar o clube e dotá-lo de um nível de organização elevado, quero deixar aqui registado que ele seria uma das poucas pessoas em quem confiaria, dispensando qualquer assinatura, bastando-me a sua palavra.
…
Não me recordo do dia da apresentação ao plantel que deve ter ocorrido na Palestra de Via Ardigo, presumindo que terá sido na pista, com todos os jogadores equipados e que se terá resumido a um ligeiro aquecimento e posterior partida entre duas formações, a fim de me aquilatar das potencialidades de cada um.
Apesar do efeito espectacular que emana da foto que encabeça esta página, o primeiro treino fora suficientemente esclarecedor para reforçar a ideia com que ficara depois do jogo realizado na Corunha, dois meses antes. A equipa, nessa partida, teve uma prestação pobre, desconexa e ultra-emocional, típica das equipas mal preparadas duma 2ª divisão. Tendo como objectivo traçado mantê-la na liga principal, Série A, foi fácil antecipar que um trabalho rigoroso levaria a equipa a posicionar-se no meio da tabela, apesar da idade média dos seus jogadores rondar os 30 anos, e talvez participar nos “Play-offs”, o que acabou por acontecer.
– Segue-se parte 2