Bruxaria no desporto

E esta, ein?

Bruxos e curandeiros no desporto deixaram de ser para mim uma novidade, aos cinquenta anos, quando li relatos e entrevista, aqui em Portugal, sobre um que, aparentemente, actuava num clube nortenho. Tal a minha ingenuidade. Mas o facto é que na minha curta mas intensa carreira desportiva nunca vi ou ouvi falar desses artifícios. Assim, foi com grande espanto que, companheiros meus, no almoço do SNECI realizado há duas semanas, precisamente no dia 9 deste mês, contaram a seguinte história de que foram protagonistas. Achei-a hilariante e consegui que um deles, o bom amigo António (Toninho) Rodrigues, aqui retratado, se prontificasse a escrevê-la não vá alguém pensar que eu a inventara. Olhei incrédulo para o Amadeu Bouçós e pena foi que o jogador que encomendou a “magia”, não estivesse presente neste convívio.

«Sucede que, na década de 60, e na sequência de uma má série de resultados da nossa equipa, o SNECI, um dos nossos jogadores (não me atrevo a citar o nome), um crente piedoso em práticas de bruxaria, resolveu abordar o nosso “mecânico” de patins, o indígena Guilherme, no sentido de ele, com os seus vastos conhecimentos na Mafalala, contratar os serviços de algum “mago” que por lá houvesse – e havia vários! para se tentar inverter aquela situação humilhante.

Isto passou-se, claro, sem o conhecimento e menos ainda anuência do resto dos membros da equipa. Acrescentei, à pressa este parágrafo, para me isentar de qualquer culpabilidade naquelas manobras…

Bom, a cena cómica passa-se antes do jogo a seguir ao “contrato” efectuado.

Quando as equipas já estavam em campo, a aquecer, e eu me preparava para entrar também, tendo-me atrasado a equipar, o Guilherme agarrou-me o braço com força e depositou-me na luva da mão esquerda uma pasta pegajosa, meio cimento, meio lama.

Que porra é esta? – gritei eu.

Ó irmão, por favor! Ponha isto na linha toda do meio campo. Por favor, irmão!!

Porque não deste isto ao teu amigo? – Perguntei-lhe eu, adivinhando que teria sido o tal jogador o autor daquela manobra.

Ele já levou para pôr na nossa baliza! – Respondeu ele, e para encurtar o diálogo ou, quem sabe? para evitar qualquer efeito retardador da magia, deu-me um leve empurrão para dentro do campo.

Ainda me virei para trás, para tentar fulminá-lo com o olhar, mas deu-me pena vê-lo de mãos juntas, como numa prece, e os lábios que murmuravam “Por favor, irmão!”

Lá me fui, a sentir a estranheza de cinco mil pares de olhos ao verem um palerma a tentar sacudir da luva da mão esquerda uma mixórdia qualquer ao longo da linha do meio campo, e a amaldiçoar o sacana que, com toda a facilidade, fingindo ajeitar a rede interior da nossa baliza, lá depositara mixórdia igual à minha.

Felizmente, a história tem um final feliz. Ganhámos folgadamente esse jogo e afastámos os maus espíritos por uns tempos, o que só vem comprovar que os nossos vizinhos aqui do lado têm razão quando dizem que não acreditam em bruxas, mas que as há, há!

António Rodrigues, 20 de Novembro de 2011

A parte interessante desta história, foi que o Toninho Rodrigues teve nesse jogo a prestação que sempre nos habituara. Com os seus típicos esforços em busca de uma certa organização dentro do campo, esqueceu-se que na equipa dele vigorava a “desordem” como sistema táctico, apesar de terem vencido “folgadamente” o adversário, e de terem quebrado a série negra de desaires que os atormentava. Confidenciou-me ele que saiu de lá deprimido, pois ficou sem saber se teriam sido os seus dotes de hoquista nato que arrastaram o Amadeu para a vitória ou se o desfecho não teria sido causado pelas “mezinhas” que sacudira da luva ao longo da linha de meio campo.

Ressalve-se que nem o Bouçós, nem o Toninho, acreditam nestas tretas. Este último, se entrou no esquema foi porque lhe deu pena ver o Guilherme, de mãos juntas, como numa prece, a implorar-lhe que agisse. Acho que o coração meloso do Toninho não resistiu até porque o indígena poderia ter um enfarte ou desatar numa choradeira inoportuna.

Como confirmação da enraizada táctica da “desordem” do agrado do SNECI, acima insinuada e que já vinha dos tempos em que joguei com eles, este meu comentário requer evidências, daí que reproduzo abaixo uma panorâmica de um jogo, (não será o mesmo acima mencionado), em que 80% da pista mostra 3 jogadores adversários, Esteves, Fajeca e Delfim Leitão, em acção defensiva na sua área, atacados pelo denodado, clarividente e ameaçador Toninho Rodrigues, num gesto desportivo a todos títulos correcto. Cadê do Bouçós, do Vitor Rodrigues, do José e do seu irmão António Souto? Estariam num comício junto ao corrimão ou porventura a beber água…?

Francisco Velasco, 23 de Novembro de 2011

 

 

 

 

 

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3 Responses to Bruxaria no desporto

  1. Estimado Francisco,

    Ca’ estamos nos com mais um Ano iniciado ha’ poucos dias atras e foi por acaso que deitei uma espreitadela aos meus Sites favoritos e reparei no artigo acima escrito.

    Para quem conhece Africa, nada de espantar… mas para quem nao nocao dos costumes e tradicoes culturais locais, e’ algo inacreditavel.

    Aqui na Africa do Sul, pais onde resido ha’ trinta anos, em pleno seculo XXI no ano passado vieram ao conhecimento da imprensa Nacional controversias, pelo menos que eu me lembre, nos escaloes superiores do Campionato Nacinal de Futebol em que foi provado que certas equipas encomendaram “xikuembo” a feiticeiros para que a equipa oponente perdesse o jogo, e ate’ houve casos em que ambas as equipas encomendaram o tal feitico para o mesmo fim. Os feiticeiros intervenientes reclamam os seus feiticos serem os melhores, agora o problema e’ saber como fica a caso se o clube que perde tem direito a devolvimento da tarifa cobrada…

    Ao fim ao cabo seria mais simples por os feiticeiros a disputar o jogo e deixa-los resolver o resultato a’ maneira deles e assim simplificar todo o processo desportivo.

    Nao sei ao certo como ficou a situacao resolvida mas tenho impressao que foi proibido recorrer aos feiticeiros para garantir bons resultados.

    Anyway, um bom 2012 para todos.

    Um abraco
    Ze carlos (Jhb)

  2. Velasco says:

    Caro Zé Carlos

    Que as entradas do Ano Novo tenham sido auspiciosas é o meu desejo. Esta história da Bruxaria no Desporto, só foi encomendada ao meu amigo António Rodrigues porque na verdade nunca pensei que alguns dos meus companheiros do hóquei acreditassem nessas tolices. Relatá-la, foi interessante até porque o “crente” em Xicuembos, almoça por vezes comigo. Tal como mencionou, todas estas patranhas caem por terra quando ambas equipas contratam os tais “feiticeiros” para um jogo entre elas, em que as “mesinhas” de um acabam por não surtir efeito.

    É tudo parte do “folclore” orquestrado para dar um certo misticismo aos protagonistas que em vez de aceitarem essas crendices, deveriam é trabalhar mais (e ganhar menos!), serem mais inteligentes nas suas acções e proporcionar-nos melhores exibições do que a pobreza de espectáculos que por aí vai…

    Claro que esses “feiticeiros” sabem com quem se metem. Tive um amigo que reencontrei depois de vir de Timor, muito inteligente e susceptível (para não dizer que parecia não bater bem da bola) e que ao conversar comigo, comprimia o indicador da mão continuamente e que, perante a minha curiosidade e insistência, lamentou-se que o dedo se alongava. Não me ri e, de modo sério, pedi que me mostrasse. – “Vês… – perguntou ele. Claro que não vi nada!

    Preocupei-me com ele e acabei por descobrir que tinha estado nas Lagoas em tratamento com um “feiticeiro” que lhe fora indicado e que morava por lá numa palhota. Como a caríssimo Edmundo tinha sido meu companheiro de infância e de liceu, disponibilizei-me para acompanhá-lo na próxima sessão de tratamento. Entrámos na cubata, meio escura e lá estava o velho a um canto, tendo em frente, numa esteira, uns frascos, uns pratos e uns artefactos tipo amuletos e conchas. O Edmundo sentou-se no chão e eu por detrás dele, sem tirar os olhos do malandro. Permanecemos assim durante largos minutos, o preto não descolava o olhar do meu. Na penumbra da palhota, o velho “kokwana” sabia que eu sabia que o truque dele residia na hipnose… que tinha sugestionado o meu amigo. Para surpresa deste, o velho deitou-se de lado, balbuciando umas palavras que pretendiam dizer que não se sentia bem. Fora descoberto e não queria complicações comigo.

    Dez minutos depois estávamos cá fora e, a partir de então, o meu amigo não mais falou do dedo que se alongava e depois se encolhia. A magia quebrara-se. Não acredito em feitiços mas sei bem o que é a hipnose. A verdade é que os tiques nervosos do meu amigo foram variando consoante o tempo e o humor que se apoderava dele.

    Um abraço

  3. Ze' Carlos (Jhb) says:

    Ahh Ahh Ahh… Faz lembrar um velho ditado que vai mais ou menos assim; Quem mais deseja, mais acredita.

    E ja’ agora se nao se importam, conto a seguinte historia derivada de uma reportagem da qual ja’ nao tenho idea aonde li ou vi.

    Na fronteira de Ressano Garcia/Komatiport, devido as restricoes no fluxo de residentes Mocambicanos para a A. do Sul, como e’ conhecimento geral (com a exepcao das autoridades officiais) mesmo quem nao e’ qualificado, com um pequeno suborno consegue-se a valiosa Visa para a RSA.

    Por conseguinte, muita malta chega a fronteira da terra do ‘ElDorado’ com pouco mais do que a roupa que trazem vestida, mas com muita ambicao e esperanca de conseguir passar pro’ outro lado e singrar na vida com mais facilidade que na terra de origem.

    Ora bem, quem conhece o famoso sitio acima referido, sabe que alem dos Oficiais de Alfandega mais ou menos ‘habilidosos’ em parceria tanto de um lado como do outro, vigaristas de cambios, agentes disto e daquilo e vendedores de tudo e mais alguma coisa, com algum dinheiro, qualquer gente consegue passar pela fronteira sem grandes problemas, vende-se tudo pelo preco certo, e esse preco seja para o que for e’ geralmente determinado pelo aspecto com que os ‘peritas’ avaliam o massimo que podera’ ser extraido de caso a caso.

    No caso de muitos ‘magaissas’ , o ‘feiticeiro’ que esta’ de turno, para quem nao sabe melhor, faz um bom negocio a vender ‘Xikuembo de fazer gente invisivel’.

    Esses espertalhoes, bons conhecedores das culturas do povo local, seus costumes e
    receios, apresentam-se como bemfeitores que resolvem qualquer assunto com magia.

    O seu ‘modus operandi’ consiste da tactica de aproximarem-se da vitima (ja bem escolhida com prespicacia) a oferecerem o que necessitarem por um certo preco.

    Assim que descobrem que o dinheiro existente e’ suficientemente lucrativo para os fins desejados, la’ fazem umas rezas e dao umas pocoes ‘magicas’ a beber e atiram umas poeiras a’ vitima e passado uns momentos, dizem podes passar pela fronteira que ninguem te para porque a partir de agora tornaste-te invisivel!

    No entretempo, o socio do ‘magico’ ja teve a oportunidade depois de receber as massas combinar com os amigos do outro lado a deixarem passar a pessoa.

    Imaginem agora, o ou a ‘idiota’ satisfeito/a da vida ao caminhar de um lado da fronteira para o outro sem problemas a julgar que realmente e’ invisivel.

    O que os ‘idiotas’ nao sabem e’ que o dinheiro realmente cega os tais oficiais corruptos… e se aqueles a quem chamo ‘idiotas’ sabem que nao sao invisiveis, ao menos sabem que o dinheiro consegue cegar. Nesse caso, ja’ nao sao idiotas mas espertalhoes, acho eu 😉

    Um abraco.
    Ze’ Carlos (Jhb)

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