O “Furacão” do hóquei em patins

Da colecção "Idolos do Desporto"

Há dias, num almoço da malta do SNECI, o Amadeu Bouçós recordou-me um dos momentos mais marcantes da nossa vida desportiva. A meu pedido, prontificou-se a fazer um relato sobre o regresso inesquecível de Madrid e que publico nesta página com prazer, por o achar esclarecedor do ambiente que nos envolvia por altura das nossas participações internacionais. Escreveu ele:

«Campeonato do mundo – Madrid -1960

Pormenores interessantes:

– Foi a 1ª vez que Portugal conquistou um Campeonato do Mundo em Espanha.

– Foi a 1ª vez que a equipa nacional se deslocou a um Mundial de autocarro.

Eu explico a razão porque a equipa utilizou esse meio de transporte. Nunca escondi que viajar de avião me desagradava, ou melhor, que era para mim um drama recheado de medos que me atormentavam. Na altura, o Seleccionador Nacional era o António Raio e tive a sorte de saber que ele, em relação às viagens aéreas, pertencia à minha liga. Assim, calculei que sendo também avesso a voos, tornava-se um trunfo a meu favor para convencê-lo a viajar para Madrid de autocarro com o argumento extra que isso seria mais barato para a Federação.

(Um aparte: Estas minhas manobras, foram um segredo que só agora revelo)

Meti então mãos à obra. Com falinhas mansas e sem demonstrar os meus temores, abordei o Seleccionador Nacional, apresentando as grandes vantagens de irmos por via terrestre. Depois de alguns minutos de conversa, a ideia foi aceite de imediato, como eu esperava, faltando somente a aprovação do Presidente, ou seja do «Pai», o saudoso e grande amigo, senhor Tito Moreira Rato.

Para grande satisfação minha, ele anuiu. Viajaríamos de autocarro para Madrid!

Não sei se os meus colegas gostaram da ideia, mas um de certeza ficou feliz: o José Vaz Guedes. Possuidor dum Mercedes 300SL, mal se inteirou da novidade, aproveitou e pediu autorização para se deslocar nele, o que foi aceite na condição de fazê-lo sem se afastar em demasia do autocarro.

Quando o nosso amigo Velasco soube da anuência, avançou logo (grande lata…!) com a intenção de acompanhar o Zé no seu Mercedes. Não sei quais foram os argumentos por ele invocados, o certo é que foi autorizado. Ao relembrar estes momentos, veio-me à memória um incidente que envolveu o Velasco, que tenho de relatar, mesmo que um tanto fora do contexto desta narrativa.

Durante o estágio em Sintra que antecedeu este Mundial, era frequente passarmos umas horas num salão de jogos, na vizinhança do Hotel Central, onde estávamos instalados. O Velasco jogava bilhar quando um indivíduo se abeirou dele, de braços abertos e um ar inequívoco de felicidade: – Há anos que não te via! – Exclamou, apertando-o num forte abraço – Tantos anos que já lá vão…!

E o Velasco olhava para mim, por cima do ombro, com uma cara de surpresa, sem saber o que fazer ante tanta alegria: – Fui amigo do teu pai! É uma honra…!

Finalmente, o indivíduo afastou-se ligeiramente, mantendo as mãos nos ombros do Velasco e, olhando-o bem nos olhos, disse: – Que crescido que estás, Adrião!

Aí o Velasco, com um ar irónico, virou-se para o senhor, apontando com o taco para o outro lado do salão: – Olhe que está enganado… o Adrião é aquele ali!

A criatura não se desmanchou, dirigiu-se rapidamente para o Fernando e repetiu os abraços, agora com muito mais emoção, deixando o Adrião espantado, pois não se tinha apercebido do equívoco caricato, acabado de ocorrer. Naturalmente, este episódio gerou uma gargalhada geral que, tenho a certeza, o homem não ouviu, dada a sua agitação.

Prosseguindo:

A viagem para Espanha verificou-se sem incidentes, com o Mercedes 300SL a desacelerar e acelerar sob as vistas do autocarro e o Campeonato decorreu ainda melhor… Fomos Campeões do Mundo em Madrid, pela primeira vez, mesmo nas barbas de «nuestros hermanos»…!

O regresso foi um pouco atribulado, no bom sentido. Tinha-se disputado uma prova de «rally» ou de corridas, não sei bem, onde Portugal fora representado pelos pilotos José Lampreia, Manuel Gião, Gaspar e um outro cujo nome, 50 anos passados, não me recordo. Presumo que foram o Lampreia e o Gião que fizeram questão de nos acompanhar até Lisboa com os seus dois «bólides», como comissão de frente. Assim, o nosso regresso seria feito com uma escolta de dois carros de corridas e o Mercedes do Vaz Guedes (com o Velasco metido nele, claro).

Contar por palavras o que foi este regresso é assaz difícil…! Desde Beja, onde parámos para almoçar, que as pessoas se juntavam à volta do autocarro, ansiosas por nos abraçar ou cumprimentar. O percurso até Vila Franca de Xira, com o alarido das buzinas da nossa escolta de luxo, atraía inúmeras pessoas que nos saudavam efusivamente, ao longo da estrada. Chegámos a ter de parar, dada a multidão que nos barrava o caminho e era então ver a alegria das pessoas, que nos ofereciam garrafões de vinho, queijos e bolos, que fomos acumulando no interior do autocarro.

O nosso cortejo abrandou ao chegar à ponte de Vila Franca de Xira, pois do outro lado rebentara um foguetório, não se sabe se por estarmos a chegar ou se por resultado de algum festejo local. O facto é que a passagem pela vila foi demorada, atrasando-nos para uma recepção pré-marcada com uma autoridade do governo e terá sido aqui que o Vaz Guedes e o Velasco voltaram para o autocarro.

Terminando:

Não posso deixar de realçar a recepção em Lisboa, na praça do Marquês de Pombal. Nunca tinha visto, nem sonhado, que milhares de pessoas se juntassem para saudar a nossa vitória. Acho que esse acontecimento deve ter sido gravado em filme e terão sido poucas a vezes que aquela praça terá enchido como nesse dia. A multidão de pessoas que nos rodeava estava tão eufórica, desejosa de nos ver de perto e de nos tocar, que algumas delas começaram a subir para o tejadilho do autocarro que, com o peso, começou a arquear e a ranger.

Esta situação gerou grande preocupação e um certo temor que o tejadilho abatesse. Felizmente, a polícia motorizada literalmente descascou as pessoas agarradas ao autocarro e com certa dificuldade prosseguimos em direcção ao organismo oficial, à frente do qual se encontravam outras centenas de pessoas. Do outro lado da rua, controladas por um cordão de agentes da ordem, gritavam e repetiam os nomes de cada um de nós. Aqui teve lugar mais um drama. Depois de termos sido recebidos pela entidade oficial, no retorno ao autocarro que estava parado defronte da porta, ao entrarmos nele, ladeados por dois polícias, alguém chamou pelo Velasco.

Contou-nos ele depois, que reagindo ao chamamento, reconhecera um federativo e aproximara-se para o cumprimentar, mas o dirigente, pegando-lhe na mão que levantou, dera uns passos em frente, saindo do passeio. Nesse preciso momento, as pessoas que gritavam o nome dele romperam o cordão e convergiram na sua direcção. A vontade de o abraçar era tal que ele só teve tempo de se agarrar à grelha do autocarro para não ficar de cabeça para baixo, a olhar aflito para nós que estávamos dentro da viatura. Valeu-lhe a pronta intervenção dos polícias mais próximos, que à força de umas valentes bastonadas, acabaram por o livrar da situação crítica em que se encontrava.

Enfim, apesar do pânico momentâneo, tudo acabou bem, com o Velasco aliviado mas um tanto amarrotado. Este episódio, ligado ao Campeonato do Mundo, tornou-se mais um assunto de gozo e risota por parte dos seus companheiros, que perdurou e ainda hoje é por vezes relembrado, quando nos reunimos.»

6 de Outubro de 2010

"Compagnons de route"

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1 Response to O “Furacão” do hóquei em patins

  1. Rui Guilherme Bastos says:

    Hello Chico
    Muitas coisas dos tempos antigos vêm`novamente as boas lembranças. Talvez te lembres dos teus adversários do Desportivo e Ferroviário como por exemplo. O Gabriel Lopes meu ex-cunhado já falecido que era o guarda rêdes do Desportivo e o Fernando Adrião, Romão Duarte,Lisboa etc.O irmãos Carrelo do Ferroviário. O Acúrsio muito alto que era meu amigo e se tornou um guarda rêdes de futebol.
    Eu era atleta do Desportivo. Futebol, Atletismo e Tiro ao alvo.
    Por hoje só vão êsses
    Abraços
    Rui Bastos
    Abraços

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